sábado, 16 de março de 2024
quinta-feira, 14 de março de 2024
sexta-feira, 8 de março de 2024
terça-feira, 5 de março de 2024
sábado, 2 de março de 2024
sexta-feira, 1 de março de 2024
quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024
quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024
sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024
terça-feira, 20 de fevereiro de 2024
sábado, 17 de fevereiro de 2024
Refletindo sobre a Quaresma Padre João Medeiros Filho Em português, a palavra Quaresma é uma forma sincopada do termo latino “quadragesima”. Este, por sua vez, é o número ordinal de “quadraginta”, significando quarenta. A liturgia católica costuma recorrer a símbolos. Estes são abertos e ricos em interpretações, enquanto as palavras são, por vezes, limitadas. Na Quaresma, partindo da simbologia numérica, usual na cultura hebraica, a Igreja recorda-nos os quarenta anos de caminhada do Povo de Deus em busca de Canaã, os dias e noites esperados por Moisés para receber o Decálogo. Lembra ainda idêntico período vivido por Cristo, antes de ser tentado. Ela convida-nos a uma maior consciência da nossa condição de filhos de Deus e nosso compromisso com o Evangelho. Proporciona um retiro aos cristãos a fim de realizar uma revisão de vida. Não se trata apenas de tempo litúrgico. Representa igualmente momentos importantes de nossas existências, nos quais devemos aprofundar, com o auxílio da graça divina, nossa vivência cristã. E para isso, é indispensável defrontarmonos com nossos erros e virtudes. Conclama ao despojamento interior para o renascimento pela escuta atenta de Deus. Sua Palavra ilumina nossa vida e transforma nosso íntimo. O tempo quaresmal exorta os fiéis ao jejum e à conversão. Atualmente, na administração pública e linguagem biomédica fala-se muito em cortar gorduras. No jejum, deseja a Igreja que sejamos capazes de eliminar os excessos do desamor e egoísmo, da vaidade e injustiça. Nos dias de hoje, enfatiza-se o culto do corpo. Várias modalidades de exercícios físicos são praticadas. Jejuar é como malhar a alma, banir o que lhe é supérfluo ou nocivo para dar lugar à fome de Deus. No primeiro domingo do período quaresmal, lê-se o episódio da tentação de Jesus. Somos instados a refletir sobre o sentido do deserto. Este reveste-se de significado especial na Sagrada Escritura e na espiritualidade cristã. À primeira vista, não é habitual se deparar ali com seres vivos. Sua imensidão e silêncio levam-nos a algo mais profundo: a descoberta de Deus. Este é a única vida que se pode sentir na vastidão despovoada. Os fiéis veterotestamentários, antes de chegar à Terra Prometida, passaram também pelo deserto. Este precede qualquer experiência mística, sendo, antes de tudo, um estado de espírito. Cristo veio estabelecer o Novo Testamento para a humanidade. Teve de enfrentar o deserto: ícone de nossa fragilidade, impotência e solidão. Sentimo-nos, não raro, abandonados, tristes e sozinhos em nossos sofrimentos, angústia, perplexidade, instabilidade e tribulações. Isto representa a figura de Cristo, ao ser provado pelo demônio. O texto de Marcos tem uma peculiaridade. Não cita a quantidade de tentações, como os de Mateus e Lucas. O autor do segundo evangelho restringe-se a afirmar que Cristo foi conduzido ao deserto e “aí tentado por Satanás” (Mc 1, 13). As provocações e provações, sofridas por Ele, representam a realidade humana. O materialismo, o consumismo, gerando miséria e dependência, a exploração dos mais fracos permanecem fazendo vítimas. A manipulação religiosa aproveitando-se da fé ingênua do povo simples, em benefício de pseudo líderes e grupos inescrupulosos, constitui-se numa tentação que fala bem alto na sociedade hodierna. A idolatria do poder, passível de proporcionar corrupção, marginalizando ou excluindo indefesos e necessitados, continua sendo a expressão do ideal demoníaco. Há uma série de novas e falaciosas atrações, procurando iludir o ser humano e estabelecer o reino de Satanás, e não o Reino de Deus e do Amor. Diante disso, entende-se o apelo do Mestre: “O Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1, 15). Há outro detalhe no relato de Marcos: “[Jesus] Vivia entre animais selvagens e os anjos O serviam” (Mc 1, 13). Ele veio mostrar a harmonia da criação, revelando a verdadeira ecologia. Da narração de Marcos, infere-se uma metáfora: ao ceder às tentações do demônio, o homem mostra-se bestializado. O poder, o ter e o prazer poderão nos tornar alienados e presunçosos. Mas, Cristo vencendo o demônio, assegura-nos que Ele veio aniquilar a indiferença, a injustiça e a violência. Cada um conhece o seu deserto e as suas seduções. O Mestre ensina-nos como superar tudo. “Coragem! Eu venci o mundo” (Jo 16, 33), assevera-nos o Salvador.
O significado bíblico-espiritual das cinzas Padre João Medeiros Filho A imposição de cinzas remonta ao Antigo Testamento. Delas se cobriu Mardoqueu e se vestiu com panos de saco, ao saber do decreto do Rei Assuero, condenando à morte os judeus residentes na Pérsia (Est 4,1). E Jó declara a sua contrição assim: “Arrependo-me no pó e nas cinzas” (Jó 42, 6). Daniel, ao profetizar a tomada de Jerusalém pelos babilônios, escreveu: “Voltei o olhar para Deus, procurando fazer preces e súplicas com jejuns, vestido de tecido rústico e coberto de cinzas” (Dn 9, 3). Após a pregação de Jonas, “o povo de Nínive se vestiu de roupas grosseiras, impondo-se cinzas. O rei levantou-se do trono e sentou-se sobre elas” (Jn 3, 5-6). Tais exemplos demonstram essa prática religiosa, como símbolo de dor, compunção, penitência e conversão. Cristo aludiu a esse costume, dirigindo-se aos habitantes de Corazim e Betsaida. Eles não se arrependeram de seus pecados, apesar de terem presenciado milagres e ouvido a Boa Nova. “Se em Tiro e Sidônia tivessem sido realizados os milagres feitos no meio de vós, há muito tempo teriam demonstrado arrependimento, vestindo-se de cilício e cobrindo-se de cinzas” (Mt 11, 21), advertiu Jesus. A Igreja, desde seus primórdios, celebrou este ritual com um simbolismo análogo. O teólogo Tertuliano aconselhava o pecador a “vestir-se com tecido de estopa e cobrir-se de borralho.” O historiador descreve o bispo Natálio apresentando-se com esses trajes ao Papa Zeferino para suplicar-lhe o perdão. No cristianismo medieval, quando o penitente saía do confessionário, o sacerdote impunha-lhe cinzas para lembrar-lhe que o “velho homem” tinha sido destruído, dando lugar ao “novo homem”, segundo a expressão do apóstolo Paulo (Ef 4, 24). Por volta do século VIII, as pessoas que estavam prestes a morrer, eram deitadas no chão sobre um tecido rude e nelas se jogava pó. O sacerdote, aspergindo-as com água benta, dizia: “Lembra-te, ó criatura, que és pó e a ele hás de voltar” (cf. Gn 3, 19). Este rito foi tomando uma nova dimensão espiritual e passou a significar morte ao pecado em seus diversos aspectos: mentira, orgulho, injustiça, inveja, ódio, violência etc. Com o passar dos anos, tal hábito foi associado ao tempo quaresmal. Neste, somos convidados a sepultar o velho homem existente em cada um de nós para ressuscitar com Cristo, na Páscoa. As cinzas utilizadas na quarta-feira são obtidas com a queima das sobras de palmas bentas no Domingo de Ramos do ano anterior. O sacerdote as abençoa e impõe sobre os fiéis, dizendo: “Lembra-te que és pó e ao pó hás de voltar” (Gn 3, 19), ou então: “Converte-te e crê no Evangelho” (cf. Mc 1, 15). Essa cerimônia é um convite à preparação para a Páscoa pela vivência da Quaresma, tempo privilegiado para uma revisão de tudo o que impede nossa caminhada de fé e amor. A participação no ritual do início quaresmal expressa duas realidades fundamentais: a consciência de nossa efemeridade e a fé em nossa ressurreição. Cristo ressurgiu dos mortos, prometendo-nos também que ressurgiremos. É conhecida na mitologia grega a força de Fênix, que renasce das cinzas. Estas simbolizam mudança radical, na medida em que representam destruição. Lembra-nos que delas poderemos brotar, como criaturas renovadas pela graça inefável de Deus. Por essa razão, somos chamados a nos converter ao Evangelho de Cristo, libertando-nos da arrogância, do egoísmo, da vaidade; enfim, de tudo o que nos afasta do Divino. A palavra marcante com que se abre a celebração quaresmal – iniciada na quartafeira, após o carnaval – é conversão. Este termo de origem hebraica, indica mudança interior, dir-se-ia, transformação espiritual. Isto Cristo veio trazer com sua mensagem. Ele indicou ao ser humano um novo caminho e modo de ser e viver. O apóstolo Paulo, de forma inspirada, chama-O de “novo Adão”, uma nova humanidade (cf. Rm 5, 12-21). Com a Quaresma iniciase a Campanha da Fraternidade. Neste ano, versa sobre a “Fraternidade e amizade social”. Que as cinzas impostas sobre nossas cabeças marquem o fim de nossos preconceitos, egoísmo, violência, indiferença e tudo o que atenta contra a amizade e os laços de Deus nos corações dos homens. Afirmou o Mestre: “Todos vós sois irmãos” (Mt 23, 8).
HOMENAGEM AO AMIGO LAURO BEZERRA
quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024
“Vá se queixar ao bispo”
Padre João Medeiros Filho
Eis uma expressão, ainda ouvida ou lida, aqui e acolá. É anterior à fundação do Reino de Portugal. Historiadores, especialmente aqueles da área do Direito, relatam que a máxima já foi ordenamento jurídico na Península Ibérica, entre 480-711. Constava do Código Visigótico (Livro II, Título II, Item XXVIII). Permitia às pessoas, inconformadas com o veredicto de tribunais e magistrados, dirigir-se ao bispo em grau recursal. O pleito era possível, quando os interessados consideravam a sentença proferida, em discordância com o regramento em vigor. Infere-se, portanto, que o bispo representava justiça,sentimento humanitário para a população. Segundo certos autores, o jargão surgiu, entre nós, no século XVII, na cidade do Rio de Janeiro. À época, os comerciários fizeram campanha, exigindo que as lojas fechassem aos domingos e dias festivos para o cumprimento do mandamento religioso. Naquele tempo, por força da Concordata entre a Santa Sé, Portugal e posteriormente o Brasil Império, o catolicismo era religião de Estado. Daí todos deveriam guardar o Dia do Senhor. Os lojistas promoveram manifestações públicas e passeatas, ameaçando fazer greve. Os patrões mantiveram-se intransigentes. Como última tentativa levaram um abaixoassinado a Dom José de Barros Alarcão, prelado do Rio de Janeiro (1680), solicitando intercessão junto ao Rei de Portugal, Dom Afonso VI. Desejavam que editasse uma lei específica, mediante a qual os fiéis trabalhadores pudessem cumprir os preceitos dominicais e nos dias santificados. Pode-se deduzir a presença da Igreja, enquanto última instância de resposta contra a violação dos direitos humanos. Para Dom Jaime Luiz Coelho, primeiro metropolita de Maringá (PR), o adágio remonta ao Brasil colonial. Na época, vigorava o regime do Padroado. Consequentemente, a Igreja Católica, por meio das dioceses, detinha certas atribuições e prerrogativas no foro civil. “Va queixar-se ao bispo” tornou-se popular no Brasil seiscentista e setecentista. A autoridade diocesana chegava a gozar de competência legal até para mandar prender rapazes que “ofendiam às donzelas” e recusavam as núpcias. Até bem pouco, era costume algo semelhante no Seridó. Quando alguma moça era “desonrada”, conduziam-na imediatamente à presença do dignitário eclesiástico para que se providenciasse urgentemente o casamento. Isso era motivo de força maior para a dispensa dos proclamas canônicos. Enquanto chanceler da cúria diocesana de Caicó, fui testemunha de vários acontecimentos dessa ordem. Convém lembrar que no Brasil concordatário, os prelados eram investidos de alguns poderes administrativos e jurídicos. Assim, era natural as pessoas verem no pastor a porta para a solução dos seus problemas pessoais mais prementes. A figura episcopal era respeitada por todos, sobretudo porque acreditavam ser ela a legítima representante de Deus entre os homens, capaz de oferecer luzes e apontar caminhos para seus sofrimentos. “Eu vi a humilhação de meu povo e ouvi o seu clamor” (Ex 3, 7). Poder-se-ia pôr tais palavras nos lábios dos antístites daqueles tempos. Nessa mesma direção, o jornalista e professor Jairo Faria Mendes apresenta sua versão para o axioma. Menciona que em Portugal – e nos seus territórios ultramarinos – em razão do Padroado, a autoridade diocesana exercia também a função de Ouvidor da Coroa, responsável por receber as queixas dos cidadãos. Assim, no Brasil colonial, os pontífices tinham ainda o encargo de ouvir as lamúrias e o relato de problemas materiais dos fiéis. Isto deu azo à difusão do aforismo “Vá se queixar ao bispo”. Hoje, os dignitários episcopais não estão mais revestidos de jurisdição civil. É importante frisar que, à época, a história registra a figura do bispo humanitária, paternal,solidária e clemente. Atualmente, a quem a população sofrida, injustiçada e desesperançada irá desabafar? Quem ouvirá seus rogos contra desmandos públicos, injustiça, fome, desemprego, violência, assistência precária de saúde, insegurança, falta de habitação, água e vergonha? Quem haverá de interceder, quando se adoecer de arboviroses e epidemias? Outrora, o bispo cuidava de tudo aquilo que o Estado negligenciava ou era incapaz de resolver. Por sua compreensão, senso de justiça e caridade, ele tinha condiçõesreais de solucionar impasses. Nos dias atuais, necessita-se de alguém – máxime entre executivos e legisladores – sobre quem se possa afirmar: “Teve compaixão da multidão [sofrida e sem esperança], pois era como ovelhas sem pastor” (Mt 9, 36).