quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012


"DOZE HOMENS E UMA SENTENÇA" [1]
Por Marcelo Alves Dias de Souza

No Brasil, segundo a nossa Constituição Federal (art. 5º, inciso XXXVIII, alínea “d”), em regra, compete ao tribunal do júri o julgamento dos crimes dolosos contra vida (podendo a competência do júri ser estendida, em caso de concurso, para outros crimes). E, para os fins do polêmico instituto, basicamente, são considerados crimes dolosos contra vida o homicídio (CP, art. 121), a instigação, induzimento ou auxílio ao suicídio (CP, art. 122), o infanticídio (CP, art. 123) e o aborto (CP, arts. 124, 125 e 126).
Certamente esse é o tipo de julgamento, cuja origem remonta aos primórdios da civilização, que – com toda a sua teatralidade, os debates entre acusação e defesa, a presença do réu, a majestade do juiz presidente e a reunião dos jurados em sala secreta – mais apelo tem no imaginário popular. Basta ver o espetáculo, para mim deprimente, que as televisões têm feito, por estes dias, com o caso Eloá e Lindemberg.
Na fase final desse procedimento bifásico (cuja primeira fase se dá, até a pronúncia, perante um juiz singular), na sessão de julgamento pelo tribunal do júri propriamente dita, sete cidadãos comuns (sem necessária formação jurídica), que compõem o conselho de sentença, decidem, de acordo com as suas consciências e (supostamente) as provas dos autos, o destino do réu (vide os arts. 406 a 497 do CPP, com a nova redação dada pela Lei 11.689/2008).
Dos filmes de tribunal por mim referidos aqui outro dia (vide a crônica Filmes de tribunal), um deles, “Doze Homens e uma Sentença” (“12 Angry Men”, 1957), foca precisamente essa difícil deliberação, nos mostrando toda a complicada dinâmica para se chegar a tanto, que cidadãos comuns fazem, sob juramento, sobre a vida do acusado. “Doze Homens e uma Sentença” tem a assinatura de Sidney Lumet (1924-2011), recentemente falecido, que dirigiu outros excelentes “legal films”, como “O Veredicto” (“The Veredict”, 1982) e “Sob Suspeita” (“Find me Guilt”, 2006). Considerado uma obra-prima, indicado em mais de uma categoria para o Oscar, o Globo de Ouro e o BAFTA e vencedor do Urso de Ouro de melhor filme no Festival de Berlim em 1957, ele é o primeiro de uma série de clássicos do cinema – composta ainda por “Testemunha de Acusação” (“Witness for the Prosecution”, 1957), “Anatomia de um Crime” (“Anatomy of a Murder”, 1959), “O Vento Será Tua Herança” (“Inherit the Wind”, 1960), “O Julgamento de Nuremberg” (“Judgment at Nuremberg”, 1961) e “O Sol é para Todos” (“To Kill a Mockingbird”, 1962) – que apostam na ideia (romântica?) de que a “Justiça” pode ser alcançada por intermédio do aparelho judicial.
À primeira vista, o enredo de “Doze Homens e uma Sentença” é simples. Um jovem porto-riquenho, pobre morador do que em inglês se chama “slum” (no caso, algo mais próximo de um “pardieiro” do que de uma favela), é acusado de haver assassinado o próprio pai. “As provas circunstanciais” estão contra ele. Doze jurados se reúnem para chegar a uma decisão unânime. Não alcançada a unanimidade, o júri será dissolvido. Onze jurados, já na primeira votação, optam pela condenação do réu. Henry Fonda (1905-1982), também produtor do filme, é o jurado número 8 que, no confinamento da sala secreta, menos por acreditar na inocência do réu e mais por não crer na consistência das provas, obsta essa unanimidade (poeticamente confirmando, no caso, a sentença do nosso Nelson Rodrigues de que “toda unanimidade é burra”). E o jurado número 8, após muita discussão, consegue finalmente convencer os demais jurados para fins de absolvição do jovem réu.
Entretanto, um olhar mais atento ao filme de Sidney Lumet nos mostra um conteúdo profundo e revelador, sobretudo para aqueles que – com formação jurídica ou não – desejam compreender como as decisões judiciais (ou quaisquer outras decisões) são tomadas. Curiosamente, apenas dois ou três minutos de “Doze Homens e uma Sentença” – a cena inicial e a final – se passam fora da sala secreta, por cuja janela apenas se enxerga uma metrópole americana em dia de muita chuva e calor. Nesse ambiente sufocante, de calorosos debates para fins de repensar decisões, as personalidades de cada um dos jurados (todos homens e identificados, salvo na cena final do filme, apenas por números e pela profissão) tensamente se evidenciam, assim como são revelados os motivos de cada um deles – fundados em preconceitos e experiências bem pessoais – para a decisão açodada de condenação do réu.
Mas isso será assunto para a nossa próxima conversa.

Marcelo Alves Dias de Souza é Procurador Regional da República, Mestre em Direito pela PUC/SP e Doutorando em Direito pelo King’s College London – KCL
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postado por O Santo Ofício

fevereiro 22, 2012






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