segunda-feira, 25 de junho de 2012


Apresento aos meus leitores a Introdução de um trabalho da Professora Lúcia Capanema intitulado "DOSSIÊ MEGAEVENTOS".
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INTRODUÇÃO

“Me sinto um otário, porque quando o Brasil ganhou esta porcaria de Olimpíada eu estava na Linha Amarela com meu carro, fiquei buzinando igual um bobão.
Agora estou pagando por isso. Isso que é Copa do Mundo? Isso que é espírito olímpico?”
(Michel, removido do bairro da Restinga, Rio de Janeiro)

O povo brasileiro, como todos os povos do mundo, pratica e ama os esportes. Talvez mais que outros povos do mundo, os brasileiros têm grande paixão pelo futebol. Como também amam suas cidades e recebem com grande hospitalidade e alegria aqueles que, de todas as partes do mundo, vêm nos visitar e conhecer nossa riqueza cultural, nossa música, nosso patrimônio histórico, nossa extraordinária diversidade ambiental, nossas alegrias e também nossas mazelas – a maior das quais é a dramática injustiça social e ambiental que constitui lamentável marca da história e da realidade atual deste imenso país.

Um Dossiê sobre a Copa do Mundo 2014, que será sediada por 12 cidades brasileiras1, e sobre as Olimpíadas 2016, que se realizarão na cidade do Rio de Janeiro, deveria ter como tema central a prática do esporte, das relações pacífi cas, culturais e esportivas entre todos os povos do planeta Terra. Deveria falar da alegria de termos sido escolhidos para sediar estes dois grandes eventos.

Mas não é disso que trata este Dossiê. Preparado pela Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa, ele fala do lado obscuro destes megaeventos. Ele fala das 170 mil pessoas, segundo estimativas conservadoras, cujo direito à moradia está sendo violado ou ameaçado. Ele fala de milhões de cidadãos a quem o direito à informação e à participação nos processos decisórios tem sido atropelado pelas autoridades constituídas, assim como por entidades privadas (Comitê Olímpico Internacional, Comitê Olímpico Brasileiro, comitês organizadores locais dos eventos) e grandes corporações, a quem os governos vêm delegando responsabilidades públicas. Ele fala de desrespeito sistemático à legislação e aos direitos ambientais, aos direitos trabalhistas e ao direito ao trabalho, aos direitos do consumidor.

Ele fala do desperdício dos recursos públicos, que deveriam estar sendo destinados a atender às necessidades da nossa população: défi cit habitacional de 5.500.000 moradias 1 Manaus, Cuiabá, Fortaleza, Natal, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre e 15.000.000 de domicílios urbanos destituídos das condições mínimas de habitabilidade (saneamento, infraestrutura urbana, etc). Para não falar da precariedade de nossos sistema de saúde e educação pública.

Tão ou mais grave que a verdadeira farra privada com recursos públicos é a instauração progressiva do que vem sendo qualifi cado como cidade de exceção. Decretos, medidas  provísórias, leis votadas ao arrepio da lei e longe do olhar dos cidadãos, assim como um emaranhado de sub-legislação composto de infi nitas portarias e resoluções constroem uma institucionalidade de exceção. Nesta imposição da norma ad hoc, viola-se abertamente o princípio da impessoalidade, universalidade e publicidade da lei e dos atos da administração pública. Interesses privados são favorecidos por isenções e favores, feitos em detrimento do interesse público. Empresas privadas nacionais e internacionais submetem a nação e as cidades a seus caprichos – melhor dizer, interesses. Nestas operações, que a linguagem ofi cial chama de parcerias público-privadas, o público, como é sabido, fica com os custos e o privado com os benefícios. Afi nal de contas, os promotores dos megaeventos falam de esporte mas tratam de negócios.

O dossiê pretende chamar a atenção das autoridades governamentais, da sociedade civil brasileira e das organizações de defesa dos direitos humanos, no Brasil e no exterior, para o verdadeiro legado que estes eventos nos deixarão: destruição de comunidades e bairros populares, aprofundamento das desigualdades urbanas, degradação ambiental, miséria para muitos e benefícios para poucos. Ele pretende, sobretudo, convocar os movimentos populares, sindicatos, organizações da sociedade civil, defensores dos direitos humanos, homens e mulheres que amam e buscam a justiça social e ambiental, a se somarem aos Comitês Populares da Copa e das Olimpíadas. Que estes comitês se multipliquem, nas cidades que sediarão os jogos, mas também em outras cidades. Em cada bairro, em cada escola, nas universidades e nos locais de trabalho, nos sindicatos e nos movimentos sociais, nos grupos e associações culturais, os cidadãos estão convidados a discutir como devem ser a Copa e as Olimpíadas que desejamos.

Não temos a pretensão de impedir que as competições ocorram. Mas queremos que a bola somente comece a rolar nos gramados após a reparação de todos os direitos já violados. Que o apito inaugural não soe enquanto os projetos associados à Copa e às Olimpíadas não tiverem sido objeto de debate público e não estiver garantida a permanência e a segurança a todas as comunidades e bairros populares. Que nenhuma medalha seja entregue enquanto a legislação trabalhista não estiver sendo integralmente respeitada.

Que ninguém seja perseguido por trabalhar no espaço público. Que favores e isenções sejam suspensos e que se garanta a preservação do meio ambiente. Que o espetáculo somente se inicie quando os torcedores e consumidores tenham seus direitos respeitados. E, não menos importante, quando os promotores da Copa e das Olimpíadas assumirem o compromisso de que os custos privados serão pagos pelos capitalistas privados, e não com recursos públicos.

É disso também que fala este dossiê. Da legitimidade incontestável dos cidadãos de lutarem por seus direitos sem serem criminalizados. Do direito de responsabilizarem as autoridades que abusarem de seu poder e de substituírem o arbítrio e a violência pelo princípio da democracia participativa, responsabilização dos servidores públicos e dos direitos humanos, inscritos em nossa Constituição e nos tratados internacionais assinados
pelo Brasil.

Apesar das dramáticas realidades que descreve e das violências que denuncia, este Dossiê não é uma lamentação mas um convite, uma conclamação à luta, à resistência.

Copa e Olimpíadas não justifi cam a violação de direitos humanos. Nenhum direito pode ser violado a pretexto dos interesses e emergências que pretendem impor ao povo brasileiro, em particular nas cidades que sediarão os megaeventos. A Articulação Nacional dos Comitês da Copa e das Olimpíadas convida todos os cidadãos a participarem da luta para que tenhamos COPA E OLIMPÍADAS COM RESPEITO À CIDADANIA E AOS DIREITOS HUMANOS!

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