quinta-feira, 28 de junho de 2012


"DOSSIÊ MEGAEVENTOS" - (IV) - Dra. Lúcia Capanema
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MORADIA

O crescimento das cidades brasileiras e a fragilidade das políticas habitacionais durante todo o século XX resultaram num défi cit de cinco milhões e meio de unidades e em mais de quinze milhões de domicílios urbanos duráveis inadequados, segundo estimativas ofi ciais para 20082.

Este défiit representa aproximadamente 10 a 11% dos domicílios particulares permanentes nas capitais do Nordeste brasileiro e de 6 a 8% nas capitais do Sul e Sudeste. A espantosa cifra relativa aos domicílios inadequados deve-se à carência de infraestrutura em 71% dos casos, à inadequação fundiária (11%), ao adensamento excessivo (9%) e a domicílios sem banheiro (5%) ou com cobertura inadequada (4%).

2.1. O direito à moradia adequada no quadro jurídico-institucional

“Assegurar que a reestruturação urbana que antecede a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 sejam apropriadamente reguladas para evitar remoções e despejos forçados e fazer todo esforço para assegurar que os eventos futuros tragam benefícios duradouros para os moradores urbanos mais pobres e marginalizados”

(Recomendação do Conselho de DHs da ONU ao Brasil no âmbito da Revisão Periódica Universal – maio 2012)

No âmbito internacional, o Pacto Internacional pelos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (adotado pela XXI Sessão da Assembléia-Geral das Nações Unidas, em 19 de dezembro de 1966 e subscrito pelo Brasil em 1992) estabelece em seu artigo 11 o direito à moradia adequada, que o Comentário Geral nº. 4 da Organização das Nações Unidas melhor especifica, fazendo menção à segurança jurídica da posse (em que se protege o cidadão das remoções forçadas e ameaças), à disponibilidade de serviços e infraestrutura,
ao custo da moradia acessível, e à habitabilidade, acessibilidade, localização e adequação cultural da habitação.

 http://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNH/ArquivosPDF/DHB_2008_Final_2011.pdf.

No âmbito nacional, a Constituição Federal de 1988 estabelece a moradia como direito social fundamental, cria a função social da propriedade e estabelece as diretrizes da política urbana, enquanto o Estatuto da Cidade (2001) torna obrigatórios os planos diretores – em que deve ser tratada a questão habitacional – para cidades acima de 20.000 habitantes. Ainda, ;a Lei 11.124, de 16 de junho de 2005, dispõe sobre a utilização prioritária de terrenos de propriedade do Poder Público para a implantação de projetos habitacionais de interesse social.

2.2. Copa, Olimpíadas e direito à moradia

Se a questão habitacional no Brasil já é grave por si só, a realização da Copa do Mundo 2014 em doze cidades e das Olimpíadas 2016 no Rio de Janeiro agrega um novo elemento: grandes projetos urbanos com extraordinários impactos econômicos, fundiários, urbanísticos, ambientais e sociais. Dentre estes últimos sobressai a remoção forçada, em massa de cerca de 170.000 pessoas3. Dentre os inúmeros casos levantados pelos Comitês Populares da Copa, emerge um padrão claro e de abrangência nacional: as ações governamentais são, em sua maioria, comandadas pelo poder público municipal com o apoio das instâncias estaduais e, em alguns casos, federais, tendo como objetivo específi co a retirada de moradias utilizadas de maneira mansa e pacífi ca, ininterruptamente, sem oposição do proprietário e por prazo superior a cinco anos (premissas para a usucapião urbana). Como objetivo mais geral, trata-se de limpar o terreno para grandes projetos imobiliários com fi ns especulativos e comerciais.

Via de regra são comunidades localizadas em regiões cujos imóveis passaram, ao longo do tempo, por processos de valorização, tornando-se objeto da cobiça dos que fazem da especulação com a valorização imobiliária a fonte de fabulosos lucros. Evidentemente, os motivos alegados para a remoção forçada são outros: favorecer a mobilidade urbana, preservar as populações em questão de riscos ambientais e, mesmo, a melhoria de suas condições de vida, ainda que a sua revelia e contra sua vontade.

As estratégias utilizadas uniformemente em todo o território nacional se iniciam quase sempre pela produção sistemática da desinformação, que se alimenta de notícias truncadas ou falsas, a que se somam propaganda enganosa e boatos. Em seguida, começam a aparecer as ameaças. Caso se manifeste alguma resistência, mesmo que desorganizada, advém o recrudescimento da pressão política e psicológica. Ato fi nal: a retirada dos serviços públicos e a remoção violenta.

3 Este número é uma estimativa feita por pesquisadores e pela Articulação Nacional dos Comitês da Copa e das Olimpíadas. Até agora o governo se recusou a informar quantas são as pessoas que se pretende remover de suas casas e bairros. A desinformação, como se verá a seguir constitui, ela mesma, uma forma de violação dos direitos humanos.

 

Em todas as fases há uma variada combinação de violações aos direitos humanos:

direito à moradia e direito à informação nestas situações caminham juntos, como juntas caminham as violações que se concretizam. Desta forma, este relatório optou por apresentar os casos segundo as categorias ‘desinformação e rumores’, ‘ameaças de remoção’ e ‘remoções realizadas ou em andamento’, lembrando que em áreas extensas de um mesmo projeto, diferentes subáreas estão sujeitas a diferentes estratégias que, combinadamente, aumentam o terror e a pressão.

2.3. Desinformação e rumores

É situação recorrente que muitas famílias residentes em imóveis sujeitos à remoção em decorrência da preparação das cidades para os jogos da Copa do Mundo de 2014 fi quem sabendo que terão suas casas demolidas através de notícias de jornal, de observação das mudanças e obras que se iniciam nos arredores de suas casas ou quando são informalmente abordadas por agentes da Prefeitura negaceando suas verdadeiras tarefas, e não através do Poder Público diretamente. O comportamento dos poderes públicos locais demonstra total falta de respeito aos moradores dos imóveis que estão em áreas de interesse das obras, uma vez que a falta de informação e notifi cação prévia geram instabilidade e medo com relação ao futuro das famílias, além de ferir diretamente o direito humano à moradia.

Diversas obras planejadas para a cidade de Curitiba e região metropolitana acarretarão remoção de milhares de imóveis: Corredor Metropolitano, Requalifi cação da Av. Marechal Floriano Peixoto (Divisa com São José dos Pinhais), Requalifi cação da Rodoferroviária e Acessos, Vias de Integração Radial – Av. da Pedreira/Av. da Integração, Corredor Aeroporto-Ferroviária, Ampliação do Aeroporto Internacional Afonso Pena, Estádio Joaquim Américo Guimarães – Arena da Baixada e Metrô Curitibano. Embora não haja
estimativas oficiais, o Comitê Popular da Copa de Curitiba estima as remoções na região metropolitana entre 2.000 a 2.500 famílias. Há casos de desapropriações formais e outros sem informação quanto ao mecanismo de remoção. Em sua maioria atingem áreas de baixa renda da cidade.

De acordo com levantamento parcial, 1.175 imóveis serão afetados pelo trecho principal do Corredor Metropolitano, que atingirá uma extensão de 52 km, com execução de obras viárias e implantação de faixa exclusiva para ônibus, interligando os municípios de Curitiba, Almirante Tamandaré, Pinhais, Colombo, São José dos Pinhais, Piraquara, Fazenda Rio Grande e Araucária.

As obras de ampliação originalmente cogitadas para o Aeroporto Internacional Afonso Pena haviam sido adiadas para 2018, pois dependiam da desapropriação de uma área total de mais de 857 mil metros quadrados, a cargo do Estado do Paraná (que disporia de apenas 10 dos 80 milhões de reais necessários, segundo a Secretaria de Infraestrutura e Logística do Paraná). Informações ofi ciais recentes, contudo, indicam um conjunto de intervenções maior do que apenas a área de estacionamento em execução no momento.

Caso o projeto inicial seja retomado, os impactos alcançarão as vilas – Jardim Suissa, Vila Quisissana, Nova Costeira, Costeira, Rio Pequeno e Bairro Jurema –, com mais de 1.000 pessoas atingidas, em 320 casas ao longo de 280 lotes.

Em Belo Horizonte, na audiência pública sobre os impactos sociais da Copa 2014, representantes da ocupação-comunidade Dandara relataram que há rumores de que existe um projeto de construção de um centro de treinamento de futebol e hotel na área.

Outro empreendimento imobiliário previsto para ser parcialmente concluído até 2014 é o complexo urbano na Granja Werneck ou Mata do Isidoro, na regional Norte de Belo Horizonte, uma área verde que se estende por cerca de 10 milhões de metros quadrados.

Conforme relatado no capítulo Meio Ambiente e de acordo com reportagem do jornal Hoje em Dia (FRANCO, 2011), o projeto prevê a construção de até 75 mil apartamentos, sendo que parte destes deve fi car pronta até 2013 e seria chamada “Vila da Copa”, pois serviria inicialmente como alojamento de delegações, jornalistas e turistas da Copa do Mundo 2014. Representantes da comunidade quilombola Mangueiras, localizada dentro da Mata do Isidoro, demonstraram profunda preocupação quanto ao futuro incerto da comunidade.

Em Fortaleza, por sua vez, várias comunidades, ultrapassando 15.000 famílias, já são atingidas por rumores não confi rmados ofi cialmente, como os relativos aos empreendimentos PREURBIS (Programa de Urbanização com Inclusão Social) dos Rios Cocó, Maranguapinho e Vertente Marítima, com orçamento estimado em R$ 118 bi. Com o alegado objetivo de regularização fundiária e melhoria habitacional, suspeita-se, com base em processos ambientais, que serão atingidas as comunidades do Rio Cocó, Boa Vista, São Sebastião, Gavião, Do Cal, TBA e do Rio Maranguapinho, Bairro Bom Sucesso, Lumes, Santa Edwiges, Pedreiras, Chuí, Bairro Granja Portugal, Belém , Parque Olivândia I, Parque Olivândia II, Menino Deus e Dr. Seixas.

Neste caso seriam 9.422 famílias, a menor parte a ser reassentada em conjuntos na região metropolitana e a maior parte indenizada e sem previsão de qualquer alternativa residencial. Já no âmbito do PROMURB (Projeto de Melhorias Urbana e Ambiental) do Rio Cocó / Metrô–Fortaleza e entorno, seriam atingidas 3.500 famílias. No similar Projeto Vila do Mar – Pirambu, Cristo Redentor e Barra do Ceará, várias famílias já foram removidas e há mais 1.434 famílias com deslocamento compulsório projetado. Por sua vez, no projeto Aldeia da Praia (no Serviluz), que não consta no pacote das obras para a Copa, há mais de 1.600 casas marcadas para sair.

Em Manaus, a obra viária para o BRT deverá atingir 900 famílias compreendendo  três bairros da zona leste da cidade: São José, Tancredo Neves e Mutirão. Até o momento não há informação ofi cial à respeito. O detalhamento do projeto está em fase final de conclusão, pois recebeu contestações do Tribunal de Contas da União, a Prefeitura Municipal, responsável pela obra, não tem disponibilizado informações, gerando um clima de incerteza entre moradores das comunidades. Outra obra viária projeta para cidade é o VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) que implicará remoções, contudo não há nenhum dado oficial disponível. O Comitê Popular da Copa e o Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM), já solicitarão informações aos órgãos públicos, e deverão entrar com ação contra o início das obras caso o destino das famílias permaneça incerto.

Em São Paulo, a comunidade do Jardim Paraná, estabelecida desde 1994 distrito da Brasilândia, abriga cerca de 9.000 famílias. Há rumores de que mais de 1.000 correriam o risco de ser removidas para dar lugar às obras do trecho norte do Rodoanel. Nenhum morador recebeu intimação ou algum comunicado ofi cial sobre as obras.

http://confl/ itosambientaismg.lcc.ufmg.br/info.php?id=494

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