sexta-feira, 29 de junho de 2012

"DOSSIÊ MEGAEVENTOS" (V) - Dra. Lúcia Capanema
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OCUPAÇÃO-COMUNIDADE DANDARA:

UMA LUTA NA MIRA DO PODER

Desde abril de 2009 cento e cinqüenta famílias ocupam um terreno abandonado de 400 mil m2 na periferia de Belo Horizonte, com dívida tributária na casa dos R$18 mi, fundando a comunidade Dandara, em homenagem à companheira de Zumbi dos Palmares. À noite, contrariando a legislação e sem liminar de reintegração de posse a Polícia Militar tenta despejar os ocupantes. Seguem-se três dias de investida incessante com cerca de 150 homens do batalhão de choque explodindo bombas, lançando gás-pimenta e destruindo barracos com vôos rasantes de helicóptero, ao que a comunidade respondia com pedras e seus próprios corpos, resultando em vários feridos e três presos. A ocupação resiste e o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais concede liminar de reintegração de posse à construtora proprietária do terreno. As autoridades, porém, não conseguem
forçar a remoção devido à capacidade de mobilização e de exposição na mídia da Dandara, que atinge em 2010 a marca de 981 barracos cadastrados e numerados e população estimada em mais de 4000 pessoas, com uma lista de espera de 300 famílias. Em Audiência Pública na Câmara dos Vereadores sobre a não prestação de serviços pelas concessionárias públicas às ocupações,
Dandara denuncia as Centrais Elétricas de Minas Gerais e os Correios por se negarem a fornecer o serviço público em área com arruamento e numeração completos, a Companhia de Saneamento de Minas Gerias por não cumprir acordo segundo o qual disponibilizaria padrões de água e implantaria rede de esgoto, o Corpo de Bombeiros por omissão no socorro ao moradores e os postos de saúde da rede municipal por difi cultarem o atendimento a oradores da comunidade.

A Polícia Militar e a Secretaria de Educação nem sequer justifi cam suas ausências. Rumores dão conta de que o Poder Público nega serviços à comunidade porque deseja transformar a gleba em Centro de Treinamento para a Copa e as Olimpíadas, conforme o mapa.

Uma decisão expedida pela 20ª Vara Cível em setembro de 2011 determinou o despejo dos moradores da comunidade, em resposta à ação de reintegração de posse da área da construtora. A desapropriação das terras pelo Estado foi a principal solução defendida pela Dandara para garantir sua permanência no local, em discussão durante audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de Minas Gerais em 23/11/11.
Em carta aberta à sociedade, publicada em seu sítio eletrônico, os movimentos associados clamam:

Nós existimos, somos muitos e lutaremos para continuar existindo. [...] Aqueles que tentam nos massacrar, não querem apenas despejar 1.159 famílias sem-casa, querem despejar a dignidade, querem despejar os que não se curvam à pobreza e à riqueza, querem despejar um “inimigo interno”, uma voz que destoa. [...] Ocupamos terrenos abandonados [...] cheios de impostos não pagos, cheios de nada. Ao construir nossas casas estamos construindo [...] uma comunidade, estamos construindo nossa dignidade, estamos nos onstruindo.

(OCUPAÇÃO DANDARA, 2011).

2.4. Ameaças de remoção

Muitas das ameaças de remoção dizem respeito a obras viárias para a Copa do Mundo de 2014. No município de Belo Horizonte, a ampliação do Anel Rodoviário, obra fi nanciada pelo PAC, provavelmente implicará na remoção de mais de 2.600 famílias, às quais foi apresentada, em 2010, uma notifi cação exigindo que se retirassem do local em 15 dias.

Em 2011, foi oferecida às famílias a inclusão no programa Minha Casa, Minha Vida. Na mesma cidade, outras obras viárias demandam a remoção de centenas de famílias, como é o caso do alargamento da Av. Pedro I e a construção das vias 210 e 710(5)
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5ttp://conflitosambientaismg.lcc.ufmg.br/info.php ?id=494

As obras chamam a atenção pelo número de famílias afetadas. Em Fortaleza, a Via Expressa afetará 3.500 unidades habitacionais. O percurso do VLT atravessará 22 bairros e servirá de ligação entre a região hoteleira e o Centro da Cidade, e entre o bairro Parangaba e o Estádio Castelão. Em julho de 2010, uma área de 381.592,87m² foi declarada de utilidade pública para fi ns de desapropriação. Após todo um processo de mobilização popular, ficou suspenso o cadastramento dos moradores para desapropriação e embargada a obra até que seja apresentado um projeto alternativo, que satisfaça as necessidades básicas de moradia digna para as famílias atingidas.

O bairro Mucuripe, também impactado pelas obras do VLT, passou a ser cobiçado pela especulação imobiliária. Dezenas de casas já foram marcadas com tinta verde, sinal de possível retirada no ano seguinte. As comunidades atingidas, estabelecidas há  mais de 70 anos, têm recebido visitas de equipes terceirizadas do governo para realizar cadastros, marcar e medir suas casas. Para tanto, fizeram uso constante de ameaças e intimidações; inúmeras casas foram marcadas sem o conhecimento e consentimento dos moradores, e documentos foram recolhidos sem a devida explicação. Moradores relatam que a abordagem é bastante truculenta. Famílias que hesitam em se cadastrar são informadas que a recusa implicará na destruição da casa por tratores e ameaçadas de nada receberem pelo que o trator destruir. Um dos moradores se queixa: “Até agora, a gente não sabe de nada ofi cialmente. Uns dizem que nós vamos sair daqui no próximo ano, outros, que vai demorar ainda. Ninguém do governo veio me explicar nada”.
Diante de tanta desinformação e especulação, uma moradora diz que os projetos da Copa vão virando uma verdadeira “caixa-preta”. O valor oferecido de indenização varia de R$4 mil a R$10 mil; para famílias que possuem documento de propriedade, o valor chega a R$30mil.(6)
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Também está prevista a criação de vias segregadaas para ônibus (o chamado BRT) nas avenidas Alberto Craveiro e Raul Barbosa. Nesta, 1.500 famílias estão ameaçadas de remoção na comunidade do Lagamar, nascida na década de 1970. Situação semelhante é vivida em Recife: a ampliação do Terminal Rodoviário de Cosme e Damião motivou a marcação pela prefeitura das residências de 200 famílias e a produção de um cadastro sem esclarecer o motivo.

As obras relacionadas a mobilidade, reforma e ampliação de estádios e implantação de equipamentos esportivosntos têm gerado ameaças de remoção de milhares de famílias.

Em Belo Horizonte, a comunidade do Campo do Pitangui há 50 anos vinha lutando pela legitimação de sua ocupação. Por se localizar às margens de um campo de futebol no bairro Lagoinha, seus moradores foram recentemente notifi cados de que a prefeitura de Belo Horizonte teria interesse na área da vila para um empreendimento relacionado à Copa do Mundo da FIFA de 2014.

Ainda em Belo Horizonte também está ameaçada a ocupação Torres Gêmeas, estabelecida desde 1995 no Bairro de Santa Tereza. Os prédios foram ocupados depois de um longo período de abandono, mas em 20 de setembro de 2010, ocorreu um incêndio em um dos apartamentos da torre de número 100. A torre foi evacuada e a tropa de choque da Polícia Militar tomou as entradas do prédio. Os moradores fi caram impedidos de retornar às suas casas e a interdição deixou mais de 300 pessoas sem acesso às suas residências e bens pessoais. Os moradores fi caram durante dias precariamente alojados em abrigos, tendas, ou nas casas de familiares e amigos.

Próximo ao Estádio do Beira Rio, em Porto Alegre, está o Morro Santa Tereza, ocupado por cerca de 4.000 famílias, que lá residem há mais de 50 anos. Em 1999, o governo do estado apresentou projeto de lei à Assembléia Legislativa para desafetação desta área pública. Duas construtoras de grande porte estavam interessadas na privatização das áreas naturais, transformando-as em condomínios de luxo e aproveitando a valorização de mercado decorrente da localização próxima ao Centro e ao estádio Beira-Rio e da vista
para o Rio Guaíba. No primeiro semestre de 2011, o governo Tarso Genro emitiu um decreto em que referenda o Estatuto da Cidade e garante o direito à moradia das famílias, mas não garante sua permanência no Morro Santa Tereza.

No Rio de Janeiro, onde além da Copa do Mundo de 2014 também há preparativos para os Jogos Olímpicos de 2016, os moradores da Rua Domingos Lopes, em Madureira, estão ameaçados de remoção pelas obras da via Transcarioca. O defensor público responsável pela tutela da comunidade aconselhou os moradores a não protestar, enquanto a prefeitura continuava com as remoções na comunidade.(7) Outro caso de violação, relatado pela ESPN(8), narra a situação de uma moradora que, em razão da construção da Transcarioca, recebeu comunicação da prefeitura instando-a sair de casa sem direito a nenhuma indenização por não ter a escritura do imóvel.
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7 SOS Moradores da Rua Domingo Lopes em Madureira estão prestes a serem trapaceados pelo Poder Público, Divulgação de Jane da Vila Autódromo em 25 de maio de 2011 durante reunião comunitária.
Tão ou mais grave é a ameaça de remoção da comunidade Vila Autódromo, divulgada através de reportagem de capa do jornal O Globo do dia 4 de outubro de 2011, com o sugestivo e perverso título de “A Bola da Vez: Vila Autódromo”, que anunciava a realização de uma parceria público-privada que previa a remoção para dar lugar às obras do Parque Olímpico através da compra de um terreno de R$19,9 milhões.(9) Os moradores não haviam sido previamente informados. No dia seguinte, o Secretário Municipal de Habitação esteve na comunidade para convencê-los de que a saída seria a única opção, prevendo o início do cadastramento para remoção no dia 19 do mesmo mês.(10) Entretanto, após denúncias de que a compra do terreno favoreceria a doadores de campanha(11), a Prefeitura cancelou a compra do terreno.(12)


Outro argumento muito utilizado para ameaçar os moradores é o do risco geotécnico ou estrutural. Na comunidade Pavão-Pavãozinho, mais de 300 casas já foram marcadas para demolição por este motivo, mas desde julho de 2011 os moradores aguardam que a prefeitura comprove o risco.(13)

Na região portuária do Rio de Janeiro14 estão previstas duas grandes intervenções, já iniciadas. Dizem respeito aos megaprojetos Porto Maravilha e Morar Carioca Morro da Providência. Com o alegado intuito de “revitalizar” a região, no fi nal de 2009 foi criada a Operação Urbana Consorciada da Região do Porto(15). Os moradores não foram integrados à formulação do plano de aproveitamento da área e, como de hábito, faltam informações que esclareçam a população acerca dos projetos existentes, alternativas, impactos e perspectivas, como exige a legislação. Como nas demais localidades, a prefeitura marca as casas para remoção com tinta spray. Nos bairros da região se encontram milhares de famílias de baixa renda e os grupos mais ameaçados são o das ocupações informais. Representante da Concessionária de Desenvolvimento da Região do Porto do Rio afi rmou em audiência pública que há uma estimativa de 250 famílias afetadas no asfalto. Difi cilmente a estimativa está correta. Somente a ocupação Machado de Assis abriga aproximadamente 150 famílias. A Ocupação Flor do Asfalto recebeu um aviso, no dia 31 de maio de 2011, de que o terreno pertenceria à União e que estaria sendo vendido à prefeitura do Rio de Janeiro em virtude do Porto Maravilha. O risco de remoção é iminente.(16)
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11 Rio de Janeiro Paga R$20 milhões por Área de Doador de Prefeito. O Estado de São Paulo, 06.10.2011.
Disponível em
12 Prefeito Cancela Compra de Terreno para Onde Serão Removidos Moradores da Vila Autódromo. O Globo, 18.10.2011. Disponível em
13 Vide Moradores do Pavão-Pavãozinho/Cantagalo relatam inúmeros casos de truculência por parte de policiais da UPP instalada nas comunidades,
14 Mais informações no Relatório de Violação de Direitos e Reivindicações do Fórum Comunitário do Porto disponível em http://www.fase.org.br/UserFiles/1/File/RELAT%C3%B3RIO%20MPF%20FCP.pdf
15 Lei Complementar n.º 101, de 23.11.2009, do Município do Rio de Janeiro.
16Okupa Flor do Asfalto em risco de desalojo, http://prod.midiaindependente.org/pt/blue/2011/06/491938.shtml

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