terça-feira, 21 de agosto de 2012

YES, NÓS TAMBÉM TEMOS UMA ROÇINHA

                                                   Ormuz Barbalho Simonetti

                  O IBAMA é aquela instituição ambiental que no ano passado, entre um caçador e um ninho de arribaçãs, atirou e matou o caçador. Como se a vida humana valesse menos que as aves.
(SEREJO, Vicente. Jornal de Hoje, Natal-RN, 02 de fev. 2010. Cena Urbana)

No dia 22 de maio de 2009, o agricultor Emanoel Josian Barbosa, no vigor de seus 19 anos de idade, fazia um “facho” – caça de pássaros à noite – armado apenas com um pedaço de pau e uma lanterna, quando foi cruelmente abatido com um tiro de escopeta.

O disparo foi feito por um bravo fiscal do IBAMA que, “em cumprimento de seu dever”, junto com outros colegas, dava proteção a um “pombeiro” – local de postura de aves de arribação. O fato aconteceu no assentamento Boa Vista, no município de Jandaíra-RN. No seu bornal foram encontradas apenas duas aves que ele havia abatido naquela fatídica noite, e que seriam utilizadas para o consumo de sua família. A vida desse jovem trabalhador brasileiro foi brutalmente interrompida com um tiro à queima roupa. Seu crime, “inafiançável”, foi matar, para comer com sua família, uma parelha de arribação. Rápida foi sua morte e também rápido foi o esquecimento do fato, que na época fora amplamente divulgado pelos meios de comunicação. Até esta data tudo continua “como dantes no quartel de Abrantes”.

Na minha querida Pipa também é grande a “eficiência” dos chamados Órgãos de Proteção do meio ambiente. O morro principal conhecido como Morro de Vicência Castelo, cartão postal da Pipa, vem sendo agredido de diversas formas. Construções irregulares ponteiam a parte mais visível do morro que está virando uma verdadeira Rocinha, pela aglomeração desordenada de casas que se penduram em suas frágeis areias. O que deveria ser protegido por tais Órgãos Ambientais que, no cumprimento de seu dever, não hesitam em atirar em cidadãos desarmados, está totalmente abandonado, à mercê da ousadia de alguns espertalhões.
Com uma fiscalização praticamente inexistente, a falta de atenção estimula a multiplicação das construções clandestinas, ao velho estilo do “se colar, colou”.

À noite, quem passeia pela beira da praia pode ver, dentro do morro, pontos de luz onde a escuridão da mata denuncia que ali tem uma casa já construída ou em construção. Em cima ainda é pior. Longe das vistas dos que passeiam pela praia, e naturalmente dos bravos fiscais do IBAMA, as construções se desenvolvem sem a menor preocupação, pois na Pipa como se sabe, tudo pode. É bem verdade que nesse morro também existem construções feitas há vários anos, em terreno adquirido regularmente, sem que tenha havido desmatamento e com as devidas autorizações dos órgãos competentes.

Há pouco tempo, vimos pela televisão imagens chocantes da destruição de construções erguidas no sopé de um morro em Angra dos Reis. Lá o prejuízo foi além do material. Vidas foram ceifadas em decorrência da insensibilidade e irresponsabilidade do Homem. Tudo começa com o desmatamento para a ocupação irregular de locais que deveriam ser rigorosamente protegidos. A natureza sempre vai buscar o que lhe tomaram. Na Pipa, temos várias casas nessa mesma situação.

Na praia principal, os sombreiros se multiplicam a uma velocidade espantosa, sem nenhum critério. Cada dono de barraca quer colocar o maior número de sombreiros, no afã de arrebanhar para si a maior quantidade de clientes. Para isso, contam com a ajuda das empresas de bebidas que doam, além dos sombreiros, mesas e cadeiras, com tanto que vendam o seu produto. E assim, a beira da praia, que deveria ser de livre acesso aos banhistas no direito de ir e vir, fica entupida com tanta barraca, que mais parece uma feira livre.
Se você caminha em direção a Praia do Amor, nome atual do Morro dos Amores, já pode verificar a multiplicação das barracas e, consequentemente, das areias invadidas por uma quantidade cada vez maior de sombreiros de praia e suas cadeiras.
As falésias estão sendo escavadas para a construção de mais um bar, tudo isso acontecendo sob as vistas complacentes do poder público municipal e dos Órgãos de Proteção do meio ambiente.

O abandono da Pipa é tão grande, que outro dia um amigo escutou a seguinte conversa em um banco de praça:

– Vamos passar o verão na Praia da Pipa. Leve churrasqueira, fritadeira, isopor. Che­gando lá, vamos à praia escolher o local para o nosso comércio. Lá nós armamos nossas mesas e cadeiras e as espreguiçadeiras, fazemos de tábuas de caixa de sabão. Os sombreiros a gente arranja com as empresas de bebida ou de cartão de crédito, e vamos esperar os turistas chegarem para vendermos nossa cerveja ou a caipirinha que a gente faz ali mesmo, de qualquer jeito.
– Como é que eu lavo a louça?
– A gente pega uma bacia com água e dá para usar o dia todo.
– E a gente pode chegar assim, se instalar e ninguém fala nada?
– Pode, na Pipa pode tudo, ninguém vai incomodar. Mas não pode nem pensar em re­gularizar, tirar CNPJ, inscrição. Senão vem alguém cobrar pelo Alvará, IPTU, ICMS, ISS. Você tem que ser clandestino, assim a COVISA não pode fiscalizar, nem o Ministério do Trabalho.
– Mas pode ser num lugar fixo?
– Pode. Você vai para a Praia dos Afogados (Praia do Amor), corta um pedaço da barreira, coloca freezer, geladeira, fogão. Assim a maré não vai atrapalhar.
– E pode ter água e luz?
– Pode, a gente dá um trocado para vizinho mais perto e puxa um “gato”.
– E as cervejas geladas que não venderem?
– Tem nada não, no dia seguinte a gente gela de novo e ninguém reclama não.
– Mas, e meu filho vai trabalhar de quê?
– Ah, ele pode ser pastorador de carros na ladeira. Quando o turista chega, ele já entrega o papelzinho dizendo que custa R$ 5,00 e que o dono do carro terá a certeza de não ter o carro arranhado.
– E a noite, o que a gente pode faturar?
– À noite, a gente escolhe um lugar na rua principal, onde os otários pagam alvará, IPTU, ICMS, ISS o ano todo, e monta uma barra­quinha de caipirinha, hula-hula, cerveja. Ou então a gente tira uma onda de hippie e expõe umas bugigangas na frente de qualquer loja bacana, no chão mesmo. Tem até fornecedor que traz um carro cheio de coisas de outros estados.
– Mas eu tive um probleminha com a polícia lá na minha cidade.
– Tem nada não. Na Pipa ninguém pergunta de onde você veio, o que você fazia lá, ninguém quer saber do seu passado e origem, nem pra onde você vai no próximo verão.
– Ah! Desse jeito é bom demais!
Por onde andamos aqui em Pipa, ouvimos conversas como esta que um amigo ouviu num banco de praça.

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