segunda-feira, 3 de setembro de 2012





JORNAL DE FRANKLIN JORGE | Diógenes e o Baobá

FRANKLIN JORGE
Jornalista
▶ franklinjorge@yahoo.com.br
Há pouco, visitando um velho e querido amigo na Rua São José, a pouca distância do “Baobá do Poeta” – a magna criação do poeta Diógenes Cunha Lima -, fiquei pensando quanto tenho em comum com o próprio. Ambos temos sido vitimas de preconceito: ele, por sua ostensiva e incontrolável vaidade; eu, por minha incapacidade de quedar-me, numa cocheira, como vaquinha de presépio, sem ter opinião nem a liberdade de expressar-me mesmo contra meus interesses, mas de acordo com minhas ideias.
Diógenes, por sua diligencia em fazer-se notar, às vezes de uma maneira que foge ao lugar comum, como engarrafar o ar de Natal – considerado o mais puro do Brasil – ou propor a uma gestão municipal enfadada e inócua uma audição de Pavarotti no Forte dos Reis Magos, a céu aberto e entre as ondas, comemorativa dos 400 anos da cidade onde todos são poetas e carregam reis na barriga, ou, ainda, transformar a humilde xanana que dá em qualquer beiço de caminho em símbolo de alguma coisa que neste momento não lembro mais o que seria, tantas coisas tem inventado o poeta em seu afã de contribuir para a cultura do nosso povo.
O baobá que me inspirou essa crônica está em desuso, ou seja, a área que o circunda e que poderia tornar-se um lugar de convívio e interação cultural, com banquinhos e talvez uma fonte e uma sala multifuncional, servindo à difusão da leitura ou a realização de oficinas de arte e literatura. Esse gesto de Diógenes, adquirindo o terreno encravado numa área nobre da cidade e cercando-o, para proteção da venerável espécie vegetal, revela, antes de mais nada, o homem sensível ao prodígio da natureza e trai assim o grande sonhador que veio de Nova Cruz. Só o fato de salvá-lo da morte certa, já credencia Diógenes ao reconhecimento público, no que somos lerdos, pois temos a cultura do reconhecimento só depois da morte. O Baobá da Rua São Jose, em Lagoa Seca, é um milagre e um presente de Diógenes para Natal.
A começar por mim, que nunca tinha pensado nisso, embora passando tantas vezes ali diante do Baobá que é um dos numes tutelares da cidade, jamais havia me ocorrido pensar sobre essa inusitada doação de Diógenes. Seu exemplo é admirável e, em se tratando do nosso combalido Rio Grande do Norte (o que inclui Natal), onde faltam as grandezas individuais, a generosidade e a consciência de que somos indiferentes ou refratários a tudo que não diga respeito aos nossos mais comezinhos e vulgares interesses pessoais. De fato, nunca havia pensado como pensei recentemente, em Diógenes, como um benfeitor de Natal.
Tendo ocupado tantos cargos importantes (secretário de governo, professor, reitor, presidente da Academia de Letras…), não terá feito o que esperávamos de alguém cheio de ideias e tão arrojado. Mas, salvou nosso único baobá da morte certa. Sua presidência da ANRL, há mais de vinte anos, por exemplo. Um espaço nobre de Natal, praticamente sem serventia, mas ainda de pé e que está se tornado aos poucos num centro de convivência dos que aqui produzem literatura. Vários grupos se reúnem lá, atualmente. Mas a Academia, mesma, é anódina. Não tem vida própria. Outro exemplo, a UFRN: não há nenhuma obra marcante com a grife de Diógenes; nem mesmo a literatura que ele nos quer fazer crer que ama, dele não mereceu nenhum incentivo. Não ha, da sua gestão como reitor, nenhuma publicação relevante. Nenhuma ação que contribuísse para a difusão da produção literária de qualidade, como já costumava fazer na época do seu reitorado a Universidade Federal da Paraíba, publicando todos os meses um livro de autor que não pertencesse ao mundo acadêmico. A pretexto de, assim fazendo, contribuir para o engrandecimento da literatura produzida no vizinho estado.
Contudo, há de salvá-lo essa doação – a doação do venerável baobá à cidade e ao povo de Natal. É, de fato, esse gesto inusitado e generoso, rico de significados, a sua grande obra. O legado de Diógenes à posteridade.
Devia tornar-se, agora, em um monumento vivo, o baobá que nos restou. Num lugar de convivência dos natalenses, numa cidade cujos governantes – dizia Cascudo – tem se revelado, sistematicamente, inimigos das árvores. Falta-lhe um projeto de urbanização e seu aproveitamento em equipamento cultural vivo e dinâmico.

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