quarta-feira, 24 de outubro de 2012


O desabafo de Valério e o efeito borboleta
João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG

Há poucos dias o presidente do Tribunal de Contas do Rio Grande do Norte fez, neste mesmo jornal, um artigo desabafando todas as suas angústias quanto ao destino dos órgãos de contas, em face dos pronunciamentos de juristas e não juristas desta terra, bem como do entendimento de alguns ministros dos tribunais superiores sobre as competências das Câmaras Municipais para julgamento dos atos de gestão dos prefeitos. Fez uma análise perfeita levando em conta o preparo do órgão técnico e a falta de isenção das atuais câmaras para uma análise correta e um julgamento imparcial. Todos os munícipes, juristas ou não, vereadores ou não, deveriam ler o desabafo de Valério.
Qualquer individuo que tenha acompanhado o pleito eleitoral nos diversos municípios deste Estado viu que a campanha se desenrolou debaixo de paixões avassaladoras sem o mínimo de senso crítico. Toda essa paixão desenfreada contamina as Câmaras e faz delas órgãos sem a menor isenção para julgar qualquer coisa.
As contas de 2008 do prefeito Carlos Eduardo foram examinadas debaixo dessa falta de isenção. Foram os próprios vereadores, em entrevista nos jornais que reconheciam seu desconhecimento sobre contas. Quem não sabe manda para quem sabe, para quem se preparou para examinar devidamente. Mas esses vereadores, sem isenção, não procederam dessa forma. Isso levaria tempo e atrapalharia o plano de tornar o prefeito inelegível. Cada um, a seu modo, tentava exercer sua vingança pessoal, ou não queria se incompatibilizar com os gestores de benesses.
Pior que tudo isso foi o despreparo no julgamento. A Câmara além de não ouvir o órgão técnico auxiliar, que era o Tribunal de Contas, não abriu uma comissão de inquérito para a devida apuração. Não houve, na verdade, apuração dos fatos, um por um, mas simplesmente, como diz o acusador-mor, evidências no Diário Oficial do Município. Ora, indícios sem apuração, implica julgamento incorreto. Nem tudo que parece é. Quantas pessoas foram ouvidas pela Câmara sobre as supostas irregularidades? Quem estava envolvido diretamente nas ditas irregularidades? Para a defesa de qualquer acusado deveria ser apresentado o processo completo com as ditas irregularidades para que se produzissem as devidas defesas. Ou não é assim que tem que ser feito senhores juristas? O prefeito foi convocado para se defender ou mandaram simplesmente um ofício pedindo esclarecimento das vagas insinuações?
Recordamos aqui alguns pontos, da minha compreensão. Não havia necessidade da prefeitura consultar a Câmara sobre a venda, pois ela não gerava nenhum endividamento; muitos dos atos de pessoal publicados no Diário Oficial do Município não eram simples concessão do prefeito, mas direito dos servidores, e tudo isso fazia parte da previsão orçamentária da Prefeitura; a administração municipal não ficou se lamentando dos erros do passado, mas diante de dificuldades financeiras foi em busca de recursos da ordem de 40 milhões. Aritmeticamente, não houve prejuízo de 9 milhões, mas um acréscimo de 31 milhões nos cofres municipais; a administração municipal, mesmo agindo de forma incorreta, não se apropriou dos recursos da previdência municipal, mas se socorreu temporariamente daqueles dinheiros para evitar o caos municipal, tendo devolvido em tempo os recursos, mesmo a Câmara Municipal tendo tentado prejudicar a cidade. O prefeito preferiu se arriscar a ver a cidade caminhar para o abandono. Pergunto aos munícipes de Natal. Houve, realmente, espaço e tempo para o acusado responder com propriedade, e não de forma resumida, como fiz acima, as questões suscitadas?
Entro agora na questão, que denomino o erro de Micarla. Quando cheguei à Administração Municipal em 2003, a situação financeira não era boa, como de costume. Já no segundo semestre participei de reunião com o prefeito com a finalidade de cortar orçamentos e recursos, a fim de equilibrar as finanças, principalmente, por conta de obrigações extras e quedas de receitas no segundo semestre. Esse procedimento se estendeu por todos os anos seguintes. Tudo isso dificultava mais ainda a correção dos diversos planos de cargos e salários dos servidores. O aumento acima da inflação do salário mínimo ia corrigindo algumas situações, mas criava ao mesmo tempo algumas distorções. Todas as projeções que fazíamos para melhorar a situação dos servidores iam além da capacidade financeira da prefeitura.
A prefeita fez uma escolha quando assumiu. Resolveu melhorar o salário dos servidores, como era para ser feito. Só que cometeu um grande equívoco, por falta de assessoramento e incompetência da Câmara, pois não houve previsão das consequências, quando resolveu dar, de uma vez só, muitos benefícios, onerando assustadoramente a despesa com pessoal e encargos, por vários anos pela frente. Como na Teoria do Caos, o efeito borboleta provocou um furacão nas finanças da Prefeitura que impossibilitou a administração municipal de cuidar de outras questões essenciais da população de Natal, agora, e por mais alguns anos pela frente. Já com os dados do orçamento de 2013, constatamos que a despesa realizada com pessoal e encargos em 2011, já ultrapassava em mais de R$ 342 milhões a realizada em 2008. Os investimentos que em 2008 foram de R$ 233.117.000,00 caíram para R$ 78.964.000,00. O item outras despesas correntes evoluiu de R$ 431.690.000,00 para tão somente R$ 594.900.000,00.
Um detalhe que chama a atenção, mas é muito comum na elaboração do orçamento é a previsão, a menos, para os anos seguintes. Para pessoal e encargos, embora a despesa realizada em 2011 já tivesse alcançado mais de 846 milhões, a despesa fixada nesse item, para 2012, foi de aproximadamente 717 milhões e a prevista, para 2013, de aproximadamente 739 milhões.
Infelizmente, a nossa cidade vai ser penalizada por mais alguns anos, a menos que surja algum fato novo que mude essa realidade.




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