sábado, 3 de novembro de 2012


CopacabanaPavement.jpg

foto:wikipédia 

A princesinha do mar



Copacabana é um bairro que saiu de moda, mas que tem sua vida própria, e diferente de tudo.
Outro dia fui levada por um amigo para conhecer um restaurante famoso por suas empadas, e me senti em outro universo; apesar de ser colada a Ipanema, que é colada ao Leblon, nada mais diferente do que esses bairros. O restaurante é na Barata Ribeiro, rua de tráfego intenso de ônibus, vans e motos, com direito a toda a fumaça e a todo o barulho do mundo. Numas prateleiras altas, garrafas de vinho Gatão e Periquita e, num quadrinho, a advertência: "Ao mastigar, cuidado com o recheio da empada. A azeitona tem caroço". Adorei.
Chama-se O Caranguejo, e é o oposto de um lugar cool, moderno e da moda; os garçons não foram escolhidos por sua beleza e juventude, e via-se, pela intimidade que tinham com a casa, que devem trabalhar lá há mais de 20 anos; qualquer prato pedido alimenta três com fartura -e todos são muito bons. A salada era típica de um restaurante que não é da moda: três folhas de alface, três rodelas de tomate e, em cima, três grossas rodelas de cebola. Tudo que a gente esqueceu que existia, mas que em Copacabana continua no auge da moda.
Agora, a frequência: muitos homens usavam camiseta sem manga, todos, praticamente, tinham barriga, e as mulheres -bem, nenhuma poderia aspirar a ser uma top model, e elas não estavam nem aí. Ninguém usava uma só peça de grife, ninguém falava no celular, a conversa nas mesas era animada e embalada pelos chopes que alternavam com os copinhos de Steinhagen, uma espécie de cachaça alemã só consumida por profissionais. Todo mundo era normal, e como é bom saber que ainda existe gente normal. Como o restaurante fica na esquina de uma rua que começa na praia, é muito ventilado, por isso não havia ar-condicionado.
O clima ali é familiar; os frequentadores devem ser sempre os mesmos, tanto que se falam de uma mesa para outra, e são de uma enorme gentileza; um deles me ofereceu (da mesa dele) uma travessa com patinhas de caranguejo, coisa que não lembro de ter acontecido, jamais, em minha vida. E eu aceitei, claro.
A animação é permanente: a partir das 11h todos já estão comendo muito, bebendo muito, e esse clima continua a tarde inteira, entrando pela noite. Às vezes entram famílias com crianças, e suas respectivas mães e avós; todos têm muito bom apetite e imagino que lá nunca tenha sido pronunciada a palavra dieta.
Mas por que estou falando de um lugar tão simples, mais para o modesto, sem uma só das frescuras que têm todos os restaurantes chamados chiques? Começa pela insuportável moça na porta, de preto longo, salto alto, que faz logo a pergunta: "Tem reserva?". Como eu nunca faço reserva, e o restaurante está vazio, digo que não, e ela me encaminha para a mesa. Mas se está vazio, para que a pergunta? Não entendo, e não vou, jamais, entender.
E se falo sobre este restaurante é porque me encanta esse clima simples, onde se come bem -e barato-, e no final o garçom pergunta: "Quer que faça uma quentinha para levar o que sobrou?". Sim, porque sempre sobra.
Não que eu não goste de frescuras; até gosto, mas o tempo todo é insuportável. E um lugar como esse me faz um bem tão grande ao coração e à alma que não sei nem explicar, mas me faz feliz só de saber que certas coisas simples ainda existem.
PS - E ainda tem caranguejo no toc toc, que vem inteiro, acompanhado de uma taboinha e um soquete, para poder passar o dia inteiro ocupado na nobre arte de comer um caranguejo "comme il faut".
Danuza Leão
Danuza Leão, jornalista e escritora, aborda temas ligados às relações entre pais e filhos, homens e mulheres, crianças, adolescentes, além de outros assuntos do dia-a-dia. Publicou seu primeiro livro em 1992. Escreve aos domingos na versão impressa do caderno "Cotidiano".

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