sábado, 30 de junho de 2012

MOACYR NÃO COMPARECEU, MAS NÃO ENVIOU NENHUMA CARTA-PROTESTO


Na solenidade da 5ª Edição do PRÊMIO CULTURA POTIGUAR, em que o Arquiteto Moacyr Gomes da Costa foi contemplado com o troféu ARQUITETURA E URBANISMO, o mesmo não compareceu e autorizou a jornalista que o convidou para informar que não se sentia em condições de assistir o referido evento, porquanto considerava que a demolição do Machadão, sem maiores protestos da sociedade e total desprezo do Poder Público, o obrigou a um exílio voluntário, por absoluta coerência com o seu sentimento. Contudo, não formalizou nenhuma carta-protesto, como consta da reportagem do DN de hoje, mas enviará correspondência agradecendo a consideração da Comissão de Arquitetos que fez a indicação do seu nome e nada tem em contrário com a promoção do Jornal Associado, porquanto procura resgatar os valores da terra potiguar. 
É plausível a atitude do Dr. Moacyr, vilipendiado pela destruição de um patrimônio cultural do nosso Estado, de forma desnecessária, pois existiam soluções menos onerosas, para ali erguer um outro estádio, desfigurado da harmonia da paisagem, mais próximo de um corpo estranho plantado no espaço das dunas.
O tempo dará a resposta exata. É o que pacientemente esperamos.



"DOSSIÊ MEGAEVENTOS" (VI) - Dra. Lúcia Capanema
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2.5. Remoções realizadas ou em andamento Neste item estão alguns dos casos mais alarmantes, já que trata da atividade-fi m, quando o Poder Público já não mais negocia, apenas mostra sua força diante do cidadão. São aplicadas estratégias de guerra e perseguição, como a marcação de casas a tinta sem esclarecimentos, a invasão de domicílios sem mandados judiciais, a apropriação indevida e destruição de bens móveis, a terceirização da violência verbal contra os moradores, as ameaças à integridade física e aos direitos fundamentais das famílias, o corte dos serviços públicos ou a demolição e o abandono dos escombros de uma em cada três casas subseqüentes, para que toda e qualquer família tenha como vizinho o cenário de terror.

Este relato está focado em 21 casos de vilas e favelas nas cidades de Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo e tem como pano de fundo comum o propósito da higienização, da ‘faxina social’, para o uso futuro de terras de alto valor imobiliário ou onde o Estado deseja repassar a mais-valia decorrente de seus vultosos investimentos à iniciativa privada. A estratégia inclui ainda a periferização das comunidades expulsas para longe de suas redes de inserção econômica, social e cultural, via de regra em locais carentes de serviços públicos, o que causa total transtorno ou impossibilidade de assimilação, por exemplo, nos postos de saúde e escolas. São grandes obras viárias, em sua maior parte relacionadas pelo Poder Público aos estádios da Copa ou a projetos de mobilidade que incluem ligações a instalações aeroportuárias, sempre abrindo novas frentes imobiliárias em suas margens ou em seus destinos.

Em alguns casos, dá-se também a simples manobra da desapropriação ou da reintegração de posse de terrenos públicos, alegando situações de risco ou a necessidade de preservação ambiental, violando o direito constitucional à usucapião urbana, a Resolução CONAMA 369/2006 (que permite a ocupação de Áreas de Preservação Permanente em áreas urbanizadas, comprovada a existência de comunidades em risco social), a Lei 11.124/2005 e a Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia.

Entre os projetos de mobilidade está o caso emblemático de São Paulo, com seu Parque Linear Várzeas do Tietê. Dividida em três etapas, a obra prevê a construção de uma avenida, “Via Parque”, para “valorizar a região [...] que fi ca às margens da rodovia Ayrton Senna, entre o Aeroporto Internacional de Guarulhos e o futuro estádio do Corinthians, provável sede paulista na Copa do Mundo, em Itaquera”.(17) Mais de 4.000 famílias já foram removidas do local sem serem consultadas sobre a implantação do parque e sem saber para onde iriam. Outras 6.000 famílias aguardam, sem saber seu destino. “Pegaram nós de surpresa. Com um projeto de tamanha proporção, a comunidade no mínimo tinha que ser consultada. [...] As famílias foram morar ali há mais de 40 anos, quando ainda não era Área de Proteção Ambiental”, diz o líder comunitário Oswaldo Ribeiro.

Os moradores da Chácara Três Meninas, em área contígua ao Parque, acusam policiais militares de ação truculenta e abuso de poder durante retirada sem aviso prévio. Seis famílias foram retiradas e tiveram suas casas demolidas em uma ação policial que contou com a Polícia Militar, Guarda Civil Metropolitana, Polícia Ambiental, agentes da subprefeitura de São Miguel e empresas terceirizadas que realizam a demolição das casas. Um carro particular foi apreendido e duas pessoas foram detidas, sob acusação de desacato à autoridade – nestes contextos, qualquer ato de protesto é considerado um crime! “As pessoas estavam dormindo quando foram surpreendidas pela polícia”, descreve Maria Zélia Andrade, do Movimento Terra Livre.

O estudante de Geografi a da USP João Vitor Oliveira relata que “Policiais imobilizaram um homem e depois que ele já estava com as mãos para trás, apertavam a garganta.

Por fi m, empurraram em direção a uma parede [...] Se há três casas e moradores das extremidades decidem deixar as casas, [agentes terceirizados] vão e destroem a residência que estava no meio também”. Ainda na Zona Leste da cidade, 2.000 moradores da comunidade do Jardim São Francisco, terceira maior favela da capital, estão sendo despejados sem nenhum atendimento habitacional da Prefeitura, que mobiliza uma força armada integrada pela guarda ambiental (que ironia!), a guarda civil metropolitana, seguranças privados contratados – como o já conhecido agente Evandro (box abaixo) – e funcionários municipais.

A população reclama que não há mandado judicial, que não foram incluídos em programas habitacionais e que têm direito à Concessão de Uso Especial para fins de Moradia.

A expulsão dos moradores da comunidade está ligada ao projeto de urbanização batizado de São Francisco Global, que tem previsão de conclusão em 2020. De acordo com a Secretaria Estadual de Habitação, além do São Francisco Global, a favela se beneficiará de outros projetos previstos para seu entorno. Exemplo disso seria a Operação Urbana Rio Verde-Jacu, que prevê uma série de melhorias visando a Copa do Mundo de 2014, entre elas o Complexo Viário Jacu-Pêssego (que corta o São Francisco), ligando o aeroporto de Cumbica ao Porto de Santos, que receberá uma alça de ligação com a Radial Leste.


Situações e processos similares se repetem em todas as outras cidades. Na Vila Recanto UFMG, em área de projeto para alça de acesso ao Mineirão, 65 famílias, moradores desde os anos 1990 de um lote privado abandonado, têm sido alvo de várias tentativas de expulsão. A proximidade da Copa do Mundo ofereceu o pretexto para a remoção da maioria destas família, mediante uma irrisória indenização pelas edifi cações realizadas.

Estas famílias foram empurradas para áreas periféricas da Região Metropolitana de Belo Horizonte, onde conseguem arcar com os custos da nova moradia, mas defrontam-se com a precariedade dos serviços urbanos, já saturados. Assim também em Fortaleza, onde a Avenida Dedé Brasil deverá receber um sistema BRT e túneis próximos ao estádio do Castelão, o que acarretará a retirada de 22 famílias que reclamam da baixíssima indenização.

Por seu lado, o BRT Castelão-BR 116 projeto desalojar 200 famílias na Comunidade do Barroso, já sob pressão de agentes infi ltrados.

O caso da Doca das Frutas, Porto Alegre, chama a atenção pela inversão de direitos estabelecida: 20 famílias expulsas de terreno público sem indenização são instadas a utilizar a magra verba do Programa Bolsa-família para realizar os pagamentos de prestações do Programa Minha Casa Minha Vida.

Francisco Evandro Ferreira Figueiredo é funcionário da BST Transportadora contratado pela Prefeitura de São Paulo para “fazer a faxina”, termo que utiliza quando se refere à remoção de moradores das comunidades pobres nas periferias de São Paulo. Evandro – como é mais conhecido – já foi visto em pelo menos dois despejos truculentos, sem mandado judicial. Na Favela do Sapo, zona oeste da capital, os moradores denunciaram que Evandro se apresentava armado, dizia ser funcionário da Prefeitura e intimava-os a deixarem suas casas. Em fevereiro deste ano, sob seu comando, funcionários do poder público municipal derrubaram 17 casas na comunidade, com o
acompanhamento da Polícia Militar e da Guarda Civil Municipal, sem apresentar mandado judicial de reintegração de posse ou qualquer documento que legitimasse a ação.

PROTESTO DE MORADORES EM CASA AMEAÇADA NO LARGO
DO CAMPINHO, RIO DE JANEIRO. FOTO: RENATO COSENTINO.

Espantosa, e mesmo escandalosa, é também a inversão de prioridades no caso da Comunidade Metrô Mangueira, no Rio de Janeiro. Há aproximadamente 40 anos no local, uma comunidade de cerca de 700 famílias foi dividida em diferentes grupos: alguns foram reparados com novas moradias nas proximidades, a outros foram atribuídas unidades a 50 km. do local e. finalmente, aos remanescentes, que permanecem vivendo entre escombros,
se oferecem infi ltrações, insalubridade e ameaças.. As alegações para a remoção da comunidade variaram entre o risco, a necessidade de alargar a via, a implantação de um estacionamento e a necessidade de se construir um parque, ao que retrucou a moradora: “Parque para quem se vamos ter que sair daqui?”. Embora qualquer remoção residencial deva, pela lei, estabelecer um prazo mínimo para a desocupação de um imóvel, nesta comunidade alguns receberam da Prefeitura aviso de que teriam um “prazo máximo de 0 dia(s)” (em documento ofi cial). A região integra o projeto Complexo Maracanã para a Copa 2014, quando deverá ser utilizada para estacionamento, conforme exigências da FIFA.

Embora o pretexto para a maioria das remoções seja a construção de projetos viários, é inegável sua associação direta a grandes negócios imobiliários. Mais uma vez, o caso do Rio de Janeiro é exemplar: as comunidades da Restinga, Vila Harmonia e Vila Recreio II, estavam localizadas no Recreio dos Bandeirantes, última reserva ambiental e fronteira de expansão da especulação imobiliária do município e alvo da cobiça privada. Suas 500 casas foram marcadas e removidas através das formas mais variadas de pressão, recebendo
os moradores indenizações irrisórias, que não consideraram os usos comerciais. Muitas famílias ainda não receberam nada e a Prefeitura está tentando reaver o dinheiro das indenizações já depositado por ordem judicial. Graças a algumas liminares ainda de pé, não mais que dez residências permanecem nestas áreas, porém as comunidades se transformaram em locais inabitáveis, pois as casas derrubadas deixaram uma enorme quantidade de entulho que não foi retirado pela Prefeitura, favorecendo as zoonoses. A situação daqueles que já foram removidos não foi tratada pelo Poder Público. Os ex-moradores relatam que seus filhos não estão mais indo à escola, pois não há vagas nas novas localidades. Muitos perderam seus empregos, por estarem morando muito longe do local de trabalho anterior.

Michel, ex-morador da Restinga, tinha uma unidade mista, ou seja, casa e comércio que foi marcada apenas como estabelecimento comercial pela Prefeitura, logo não teve direito a nenhuma compensação pela demolição. Michel desabafa:

“Me sinto um otário, porque quando o Brasil ganhou esta porcaria de Olimpíada eu estava na Linha Amarela com meu carro, fi quei buzinando igual um bobão. Agora estou pagando por isso. Isso que é Copa do Mundo? Isso que é espírito olímpico?”

Francisca, moradora também da Restinga possuía uma marcenaria no local; ao todo cinco famílias dependiam de seu comércio e, por conta do despejo, perderam trabalho e renda, além da moradia. Nestes últimos meses, conseguiu sobreviver com a doação de cestas básicas, material para obra e algum dinheiro para a manutenção.

Baixas indenizações, queda na qualidade de vida e sequelas emocionais são o legado social.

O Corredor Transoeste, obra estruturante no projeto global para a região, fará a ligação entra a Zona Sul e a Barra da Tijuca, onde se concentra a maioria das instalações Olímpicas.

A área onde se encontravam as comunidades removidas é de baixa ocupação, o que permitia uma gama de traçados para o polêmico corredor, desde os de menor impacto até o escolhido, que justifica a “faxina” em terras futuramente nobres para o mercado imobiliário.

Já a Transcarioca, seguindo os mesmos parâmetros projetuais, é o corredor de ligação do Aeroporto Internacional Tom Jobim à região da Barra da Tijuca suprida por BRT, e envolve a retirada de dezenas de famílias da comunidade do Campinho.

Em Belo Horizonte, última reserva de área verde da capital mineira, teve 24 casas demolidas sem ordem judicial e realocação das famílias em outubro de 2011, pois ali se pretende a mudança do uso do solo, contrariando o Código Florestal, para que a gleba de 10 km2 receba 75.000 unidades habitacionais, incluindo-se uma vila olímpica temporária, shoppings e equipamentos urbanos em Operação Urbana Consorciada.

Não é substancialmente diverso o caso do Poço da Draga, em Fortaleza, onde, a fim de viabilizar a construção do que anunciam como o maior aquário da América Latina, vêm sendo removidos moradores de uma área ocupada há mais de cem anos na Praia de Iracema, declarada ZEIS pelo Plano Diretor. Ou ainda a situação enfrentada pela Comunidade do Bairro Cristal, em Porto Alegre, cujos moradores moradores para bairros periféricos, a 30 km de distância, ou o caso da Estradinha, situada no bairro de Botafogo, na Zona Sul do Rio de Janeiro.

A área da Estradinha começou a ser ocupada na década de 1950, e diferentemente de muitos dos casos de comunidades ameaçadas por remoção, foi se desenvolvendo, em parte, com a ajuda do Poder Público. No final da década de 1980, a Prefeitura deu início a processos de assentamento na área e avaliou a viabilidade geológica do local, constatando que não haveria risco aos moradores. Na década seguinte, a Prefeitura implementou ali o programa Favela Bairro, realizando trabalhos de contenção de encostas e urbanização,
sem porém terminar as obras. Entre agosto de 2009 e maio de 2010, laudo geotécnico da Prefeitura lançou dúvidas quanto aos riscos existentes, enquanto outro, elaborado por apoiadores da comunidade, mostrava que o risco se resumia a uma pequena parte da comunidade e que poderia ser sanado através de obras de contenção. A partir deste momento, em virtude da pressão exercida por agentes públicos, muitos moradores aceitaram sair da comunidade e suas casas foram demolidas. A Prefeitura, como vinha agindo em outras comunidades, não retirou os entulhos deixados pelas demolições. Em agosto de 2010, o NUTH (Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública do Rio de Janeiro), que devido a seu papel combativo já sofreu várias investidas, ajuizou ação contra a Prefeitura, requerendo a retirada dos entulhos. Em setembro do mesmo ano a Justiça ordena a retirada dos entulhos sob pena de multa, mas a Prefeitura se mostra renitente.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

A 5ª Edição do PRÊMIO CULTURA POTIGUAR OUTORGA O TROFÉU ARQUITETURA E URBANISMO AO ARQUITETO MOACYR GOMES DA COSTA (DN de hoje)
"A comissão formada pelos arquitetos Haroldo Maranhão, Eugênio Mariano e Gaudêncio Torquato escolheu o arquiteto Moacyr Gomes da Costa como vencedor nesta nova categoria do Prêmio Cultura Potiguar. E a estreia foi inusitada. Em razão da falta de obras arquitetônicas edificadas no espaço urbano, no período 2011 até março de 2012, que justificassem a homenagem, os jurados preferiram não formalizar os três indicados à categoria e premiar uma "não construção". Na verdade, a demolição do Estádio Machadão - obra do arquiteto Moacyr Gomes, justificada como o maior acontecimento do ano no segmento."

A outorga foi realmente inusitada. No meu sentir, é uma indicação do arrependimento da sociedade pela desnecessária demolição do Machadão. Mas essa história toda será objeto de livro que estou escrevendo -"O menino do poema de concreto", onde retrato o Arquiteto Moacyr Gomes da Costa e conto a história da Arena das Dunas.
"DOSSIÊ MEGAEVENTOS" (V) - Dra. Lúcia Capanema
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OCUPAÇÃO-COMUNIDADE DANDARA:

UMA LUTA NA MIRA DO PODER

Desde abril de 2009 cento e cinqüenta famílias ocupam um terreno abandonado de 400 mil m2 na periferia de Belo Horizonte, com dívida tributária na casa dos R$18 mi, fundando a comunidade Dandara, em homenagem à companheira de Zumbi dos Palmares. À noite, contrariando a legislação e sem liminar de reintegração de posse a Polícia Militar tenta despejar os ocupantes. Seguem-se três dias de investida incessante com cerca de 150 homens do batalhão de choque explodindo bombas, lançando gás-pimenta e destruindo barracos com vôos rasantes de helicóptero, ao que a comunidade respondia com pedras e seus próprios corpos, resultando em vários feridos e três presos. A ocupação resiste e o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais concede liminar de reintegração de posse à construtora proprietária do terreno. As autoridades, porém, não conseguem
forçar a remoção devido à capacidade de mobilização e de exposição na mídia da Dandara, que atinge em 2010 a marca de 981 barracos cadastrados e numerados e população estimada em mais de 4000 pessoas, com uma lista de espera de 300 famílias. Em Audiência Pública na Câmara dos Vereadores sobre a não prestação de serviços pelas concessionárias públicas às ocupações,
Dandara denuncia as Centrais Elétricas de Minas Gerais e os Correios por se negarem a fornecer o serviço público em área com arruamento e numeração completos, a Companhia de Saneamento de Minas Gerias por não cumprir acordo segundo o qual disponibilizaria padrões de água e implantaria rede de esgoto, o Corpo de Bombeiros por omissão no socorro ao moradores e os postos de saúde da rede municipal por difi cultarem o atendimento a oradores da comunidade.

A Polícia Militar e a Secretaria de Educação nem sequer justifi cam suas ausências. Rumores dão conta de que o Poder Público nega serviços à comunidade porque deseja transformar a gleba em Centro de Treinamento para a Copa e as Olimpíadas, conforme o mapa.

Uma decisão expedida pela 20ª Vara Cível em setembro de 2011 determinou o despejo dos moradores da comunidade, em resposta à ação de reintegração de posse da área da construtora. A desapropriação das terras pelo Estado foi a principal solução defendida pela Dandara para garantir sua permanência no local, em discussão durante audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de Minas Gerais em 23/11/11.
Em carta aberta à sociedade, publicada em seu sítio eletrônico, os movimentos associados clamam:

Nós existimos, somos muitos e lutaremos para continuar existindo. [...] Aqueles que tentam nos massacrar, não querem apenas despejar 1.159 famílias sem-casa, querem despejar a dignidade, querem despejar os que não se curvam à pobreza e à riqueza, querem despejar um “inimigo interno”, uma voz que destoa. [...] Ocupamos terrenos abandonados [...] cheios de impostos não pagos, cheios de nada. Ao construir nossas casas estamos construindo [...] uma comunidade, estamos construindo nossa dignidade, estamos nos onstruindo.

(OCUPAÇÃO DANDARA, 2011).

2.4. Ameaças de remoção

Muitas das ameaças de remoção dizem respeito a obras viárias para a Copa do Mundo de 2014. No município de Belo Horizonte, a ampliação do Anel Rodoviário, obra fi nanciada pelo PAC, provavelmente implicará na remoção de mais de 2.600 famílias, às quais foi apresentada, em 2010, uma notifi cação exigindo que se retirassem do local em 15 dias.

Em 2011, foi oferecida às famílias a inclusão no programa Minha Casa, Minha Vida. Na mesma cidade, outras obras viárias demandam a remoção de centenas de famílias, como é o caso do alargamento da Av. Pedro I e a construção das vias 210 e 710(5)
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5ttp://conflitosambientaismg.lcc.ufmg.br/info.php ?id=494

As obras chamam a atenção pelo número de famílias afetadas. Em Fortaleza, a Via Expressa afetará 3.500 unidades habitacionais. O percurso do VLT atravessará 22 bairros e servirá de ligação entre a região hoteleira e o Centro da Cidade, e entre o bairro Parangaba e o Estádio Castelão. Em julho de 2010, uma área de 381.592,87m² foi declarada de utilidade pública para fi ns de desapropriação. Após todo um processo de mobilização popular, ficou suspenso o cadastramento dos moradores para desapropriação e embargada a obra até que seja apresentado um projeto alternativo, que satisfaça as necessidades básicas de moradia digna para as famílias atingidas.

O bairro Mucuripe, também impactado pelas obras do VLT, passou a ser cobiçado pela especulação imobiliária. Dezenas de casas já foram marcadas com tinta verde, sinal de possível retirada no ano seguinte. As comunidades atingidas, estabelecidas há  mais de 70 anos, têm recebido visitas de equipes terceirizadas do governo para realizar cadastros, marcar e medir suas casas. Para tanto, fizeram uso constante de ameaças e intimidações; inúmeras casas foram marcadas sem o conhecimento e consentimento dos moradores, e documentos foram recolhidos sem a devida explicação. Moradores relatam que a abordagem é bastante truculenta. Famílias que hesitam em se cadastrar são informadas que a recusa implicará na destruição da casa por tratores e ameaçadas de nada receberem pelo que o trator destruir. Um dos moradores se queixa: “Até agora, a gente não sabe de nada ofi cialmente. Uns dizem que nós vamos sair daqui no próximo ano, outros, que vai demorar ainda. Ninguém do governo veio me explicar nada”.
Diante de tanta desinformação e especulação, uma moradora diz que os projetos da Copa vão virando uma verdadeira “caixa-preta”. O valor oferecido de indenização varia de R$4 mil a R$10 mil; para famílias que possuem documento de propriedade, o valor chega a R$30mil.(6)
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Também está prevista a criação de vias segregadaas para ônibus (o chamado BRT) nas avenidas Alberto Craveiro e Raul Barbosa. Nesta, 1.500 famílias estão ameaçadas de remoção na comunidade do Lagamar, nascida na década de 1970. Situação semelhante é vivida em Recife: a ampliação do Terminal Rodoviário de Cosme e Damião motivou a marcação pela prefeitura das residências de 200 famílias e a produção de um cadastro sem esclarecer o motivo.

As obras relacionadas a mobilidade, reforma e ampliação de estádios e implantação de equipamentos esportivosntos têm gerado ameaças de remoção de milhares de famílias.

Em Belo Horizonte, a comunidade do Campo do Pitangui há 50 anos vinha lutando pela legitimação de sua ocupação. Por se localizar às margens de um campo de futebol no bairro Lagoinha, seus moradores foram recentemente notifi cados de que a prefeitura de Belo Horizonte teria interesse na área da vila para um empreendimento relacionado à Copa do Mundo da FIFA de 2014.

Ainda em Belo Horizonte também está ameaçada a ocupação Torres Gêmeas, estabelecida desde 1995 no Bairro de Santa Tereza. Os prédios foram ocupados depois de um longo período de abandono, mas em 20 de setembro de 2010, ocorreu um incêndio em um dos apartamentos da torre de número 100. A torre foi evacuada e a tropa de choque da Polícia Militar tomou as entradas do prédio. Os moradores fi caram impedidos de retornar às suas casas e a interdição deixou mais de 300 pessoas sem acesso às suas residências e bens pessoais. Os moradores fi caram durante dias precariamente alojados em abrigos, tendas, ou nas casas de familiares e amigos.

Próximo ao Estádio do Beira Rio, em Porto Alegre, está o Morro Santa Tereza, ocupado por cerca de 4.000 famílias, que lá residem há mais de 50 anos. Em 1999, o governo do estado apresentou projeto de lei à Assembléia Legislativa para desafetação desta área pública. Duas construtoras de grande porte estavam interessadas na privatização das áreas naturais, transformando-as em condomínios de luxo e aproveitando a valorização de mercado decorrente da localização próxima ao Centro e ao estádio Beira-Rio e da vista
para o Rio Guaíba. No primeiro semestre de 2011, o governo Tarso Genro emitiu um decreto em que referenda o Estatuto da Cidade e garante o direito à moradia das famílias, mas não garante sua permanência no Morro Santa Tereza.

No Rio de Janeiro, onde além da Copa do Mundo de 2014 também há preparativos para os Jogos Olímpicos de 2016, os moradores da Rua Domingos Lopes, em Madureira, estão ameaçados de remoção pelas obras da via Transcarioca. O defensor público responsável pela tutela da comunidade aconselhou os moradores a não protestar, enquanto a prefeitura continuava com as remoções na comunidade.(7) Outro caso de violação, relatado pela ESPN(8), narra a situação de uma moradora que, em razão da construção da Transcarioca, recebeu comunicação da prefeitura instando-a sair de casa sem direito a nenhuma indenização por não ter a escritura do imóvel.
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7 SOS Moradores da Rua Domingo Lopes em Madureira estão prestes a serem trapaceados pelo Poder Público, Divulgação de Jane da Vila Autódromo em 25 de maio de 2011 durante reunião comunitária.
Tão ou mais grave é a ameaça de remoção da comunidade Vila Autódromo, divulgada através de reportagem de capa do jornal O Globo do dia 4 de outubro de 2011, com o sugestivo e perverso título de “A Bola da Vez: Vila Autódromo”, que anunciava a realização de uma parceria público-privada que previa a remoção para dar lugar às obras do Parque Olímpico através da compra de um terreno de R$19,9 milhões.(9) Os moradores não haviam sido previamente informados. No dia seguinte, o Secretário Municipal de Habitação esteve na comunidade para convencê-los de que a saída seria a única opção, prevendo o início do cadastramento para remoção no dia 19 do mesmo mês.(10) Entretanto, após denúncias de que a compra do terreno favoreceria a doadores de campanha(11), a Prefeitura cancelou a compra do terreno.(12)


Outro argumento muito utilizado para ameaçar os moradores é o do risco geotécnico ou estrutural. Na comunidade Pavão-Pavãozinho, mais de 300 casas já foram marcadas para demolição por este motivo, mas desde julho de 2011 os moradores aguardam que a prefeitura comprove o risco.(13)

Na região portuária do Rio de Janeiro14 estão previstas duas grandes intervenções, já iniciadas. Dizem respeito aos megaprojetos Porto Maravilha e Morar Carioca Morro da Providência. Com o alegado intuito de “revitalizar” a região, no fi nal de 2009 foi criada a Operação Urbana Consorciada da Região do Porto(15). Os moradores não foram integrados à formulação do plano de aproveitamento da área e, como de hábito, faltam informações que esclareçam a população acerca dos projetos existentes, alternativas, impactos e perspectivas, como exige a legislação. Como nas demais localidades, a prefeitura marca as casas para remoção com tinta spray. Nos bairros da região se encontram milhares de famílias de baixa renda e os grupos mais ameaçados são o das ocupações informais. Representante da Concessionária de Desenvolvimento da Região do Porto do Rio afi rmou em audiência pública que há uma estimativa de 250 famílias afetadas no asfalto. Difi cilmente a estimativa está correta. Somente a ocupação Machado de Assis abriga aproximadamente 150 famílias. A Ocupação Flor do Asfalto recebeu um aviso, no dia 31 de maio de 2011, de que o terreno pertenceria à União e que estaria sendo vendido à prefeitura do Rio de Janeiro em virtude do Porto Maravilha. O risco de remoção é iminente.(16)
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11 Rio de Janeiro Paga R$20 milhões por Área de Doador de Prefeito. O Estado de São Paulo, 06.10.2011.
Disponível em
12 Prefeito Cancela Compra de Terreno para Onde Serão Removidos Moradores da Vila Autódromo. O Globo, 18.10.2011. Disponível em
13 Vide Moradores do Pavão-Pavãozinho/Cantagalo relatam inúmeros casos de truculência por parte de policiais da UPP instalada nas comunidades,
14 Mais informações no Relatório de Violação de Direitos e Reivindicações do Fórum Comunitário do Porto disponível em http://www.fase.org.br/UserFiles/1/File/RELAT%C3%B3RIO%20MPF%20FCP.pdf
15 Lei Complementar n.º 101, de 23.11.2009, do Município do Rio de Janeiro.
16Okupa Flor do Asfalto em risco de desalojo, http://prod.midiaindependente.org/pt/blue/2011/06/491938.shtml

quinta-feira, 28 de junho de 2012


"DOSSIÊ MEGAEVENTOS" - (IV) - Dra. Lúcia Capanema
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MORADIA

O crescimento das cidades brasileiras e a fragilidade das políticas habitacionais durante todo o século XX resultaram num défi cit de cinco milhões e meio de unidades e em mais de quinze milhões de domicílios urbanos duráveis inadequados, segundo estimativas ofi ciais para 20082.

Este défiit representa aproximadamente 10 a 11% dos domicílios particulares permanentes nas capitais do Nordeste brasileiro e de 6 a 8% nas capitais do Sul e Sudeste. A espantosa cifra relativa aos domicílios inadequados deve-se à carência de infraestrutura em 71% dos casos, à inadequação fundiária (11%), ao adensamento excessivo (9%) e a domicílios sem banheiro (5%) ou com cobertura inadequada (4%).

2.1. O direito à moradia adequada no quadro jurídico-institucional

“Assegurar que a reestruturação urbana que antecede a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 sejam apropriadamente reguladas para evitar remoções e despejos forçados e fazer todo esforço para assegurar que os eventos futuros tragam benefícios duradouros para os moradores urbanos mais pobres e marginalizados”

(Recomendação do Conselho de DHs da ONU ao Brasil no âmbito da Revisão Periódica Universal – maio 2012)

No âmbito internacional, o Pacto Internacional pelos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (adotado pela XXI Sessão da Assembléia-Geral das Nações Unidas, em 19 de dezembro de 1966 e subscrito pelo Brasil em 1992) estabelece em seu artigo 11 o direito à moradia adequada, que o Comentário Geral nº. 4 da Organização das Nações Unidas melhor especifica, fazendo menção à segurança jurídica da posse (em que se protege o cidadão das remoções forçadas e ameaças), à disponibilidade de serviços e infraestrutura,
ao custo da moradia acessível, e à habitabilidade, acessibilidade, localização e adequação cultural da habitação.

 http://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNH/ArquivosPDF/DHB_2008_Final_2011.pdf.

No âmbito nacional, a Constituição Federal de 1988 estabelece a moradia como direito social fundamental, cria a função social da propriedade e estabelece as diretrizes da política urbana, enquanto o Estatuto da Cidade (2001) torna obrigatórios os planos diretores – em que deve ser tratada a questão habitacional – para cidades acima de 20.000 habitantes. Ainda, ;a Lei 11.124, de 16 de junho de 2005, dispõe sobre a utilização prioritária de terrenos de propriedade do Poder Público para a implantação de projetos habitacionais de interesse social.

2.2. Copa, Olimpíadas e direito à moradia

Se a questão habitacional no Brasil já é grave por si só, a realização da Copa do Mundo 2014 em doze cidades e das Olimpíadas 2016 no Rio de Janeiro agrega um novo elemento: grandes projetos urbanos com extraordinários impactos econômicos, fundiários, urbanísticos, ambientais e sociais. Dentre estes últimos sobressai a remoção forçada, em massa de cerca de 170.000 pessoas3. Dentre os inúmeros casos levantados pelos Comitês Populares da Copa, emerge um padrão claro e de abrangência nacional: as ações governamentais são, em sua maioria, comandadas pelo poder público municipal com o apoio das instâncias estaduais e, em alguns casos, federais, tendo como objetivo específi co a retirada de moradias utilizadas de maneira mansa e pacífi ca, ininterruptamente, sem oposição do proprietário e por prazo superior a cinco anos (premissas para a usucapião urbana). Como objetivo mais geral, trata-se de limpar o terreno para grandes projetos imobiliários com fi ns especulativos e comerciais.

Via de regra são comunidades localizadas em regiões cujos imóveis passaram, ao longo do tempo, por processos de valorização, tornando-se objeto da cobiça dos que fazem da especulação com a valorização imobiliária a fonte de fabulosos lucros. Evidentemente, os motivos alegados para a remoção forçada são outros: favorecer a mobilidade urbana, preservar as populações em questão de riscos ambientais e, mesmo, a melhoria de suas condições de vida, ainda que a sua revelia e contra sua vontade.

As estratégias utilizadas uniformemente em todo o território nacional se iniciam quase sempre pela produção sistemática da desinformação, que se alimenta de notícias truncadas ou falsas, a que se somam propaganda enganosa e boatos. Em seguida, começam a aparecer as ameaças. Caso se manifeste alguma resistência, mesmo que desorganizada, advém o recrudescimento da pressão política e psicológica. Ato fi nal: a retirada dos serviços públicos e a remoção violenta.

3 Este número é uma estimativa feita por pesquisadores e pela Articulação Nacional dos Comitês da Copa e das Olimpíadas. Até agora o governo se recusou a informar quantas são as pessoas que se pretende remover de suas casas e bairros. A desinformação, como se verá a seguir constitui, ela mesma, uma forma de violação dos direitos humanos.

 

Em todas as fases há uma variada combinação de violações aos direitos humanos:

direito à moradia e direito à informação nestas situações caminham juntos, como juntas caminham as violações que se concretizam. Desta forma, este relatório optou por apresentar os casos segundo as categorias ‘desinformação e rumores’, ‘ameaças de remoção’ e ‘remoções realizadas ou em andamento’, lembrando que em áreas extensas de um mesmo projeto, diferentes subáreas estão sujeitas a diferentes estratégias que, combinadamente, aumentam o terror e a pressão.

2.3. Desinformação e rumores

É situação recorrente que muitas famílias residentes em imóveis sujeitos à remoção em decorrência da preparação das cidades para os jogos da Copa do Mundo de 2014 fi quem sabendo que terão suas casas demolidas através de notícias de jornal, de observação das mudanças e obras que se iniciam nos arredores de suas casas ou quando são informalmente abordadas por agentes da Prefeitura negaceando suas verdadeiras tarefas, e não através do Poder Público diretamente. O comportamento dos poderes públicos locais demonstra total falta de respeito aos moradores dos imóveis que estão em áreas de interesse das obras, uma vez que a falta de informação e notifi cação prévia geram instabilidade e medo com relação ao futuro das famílias, além de ferir diretamente o direito humano à moradia.

Diversas obras planejadas para a cidade de Curitiba e região metropolitana acarretarão remoção de milhares de imóveis: Corredor Metropolitano, Requalifi cação da Av. Marechal Floriano Peixoto (Divisa com São José dos Pinhais), Requalifi cação da Rodoferroviária e Acessos, Vias de Integração Radial – Av. da Pedreira/Av. da Integração, Corredor Aeroporto-Ferroviária, Ampliação do Aeroporto Internacional Afonso Pena, Estádio Joaquim Américo Guimarães – Arena da Baixada e Metrô Curitibano. Embora não haja
estimativas oficiais, o Comitê Popular da Copa de Curitiba estima as remoções na região metropolitana entre 2.000 a 2.500 famílias. Há casos de desapropriações formais e outros sem informação quanto ao mecanismo de remoção. Em sua maioria atingem áreas de baixa renda da cidade.

De acordo com levantamento parcial, 1.175 imóveis serão afetados pelo trecho principal do Corredor Metropolitano, que atingirá uma extensão de 52 km, com execução de obras viárias e implantação de faixa exclusiva para ônibus, interligando os municípios de Curitiba, Almirante Tamandaré, Pinhais, Colombo, São José dos Pinhais, Piraquara, Fazenda Rio Grande e Araucária.

As obras de ampliação originalmente cogitadas para o Aeroporto Internacional Afonso Pena haviam sido adiadas para 2018, pois dependiam da desapropriação de uma área total de mais de 857 mil metros quadrados, a cargo do Estado do Paraná (que disporia de apenas 10 dos 80 milhões de reais necessários, segundo a Secretaria de Infraestrutura e Logística do Paraná). Informações ofi ciais recentes, contudo, indicam um conjunto de intervenções maior do que apenas a área de estacionamento em execução no momento.

Caso o projeto inicial seja retomado, os impactos alcançarão as vilas – Jardim Suissa, Vila Quisissana, Nova Costeira, Costeira, Rio Pequeno e Bairro Jurema –, com mais de 1.000 pessoas atingidas, em 320 casas ao longo de 280 lotes.

Em Belo Horizonte, na audiência pública sobre os impactos sociais da Copa 2014, representantes da ocupação-comunidade Dandara relataram que há rumores de que existe um projeto de construção de um centro de treinamento de futebol e hotel na área.

Outro empreendimento imobiliário previsto para ser parcialmente concluído até 2014 é o complexo urbano na Granja Werneck ou Mata do Isidoro, na regional Norte de Belo Horizonte, uma área verde que se estende por cerca de 10 milhões de metros quadrados.

Conforme relatado no capítulo Meio Ambiente e de acordo com reportagem do jornal Hoje em Dia (FRANCO, 2011), o projeto prevê a construção de até 75 mil apartamentos, sendo que parte destes deve fi car pronta até 2013 e seria chamada “Vila da Copa”, pois serviria inicialmente como alojamento de delegações, jornalistas e turistas da Copa do Mundo 2014. Representantes da comunidade quilombola Mangueiras, localizada dentro da Mata do Isidoro, demonstraram profunda preocupação quanto ao futuro incerto da comunidade.

Em Fortaleza, por sua vez, várias comunidades, ultrapassando 15.000 famílias, já são atingidas por rumores não confi rmados ofi cialmente, como os relativos aos empreendimentos PREURBIS (Programa de Urbanização com Inclusão Social) dos Rios Cocó, Maranguapinho e Vertente Marítima, com orçamento estimado em R$ 118 bi. Com o alegado objetivo de regularização fundiária e melhoria habitacional, suspeita-se, com base em processos ambientais, que serão atingidas as comunidades do Rio Cocó, Boa Vista, São Sebastião, Gavião, Do Cal, TBA e do Rio Maranguapinho, Bairro Bom Sucesso, Lumes, Santa Edwiges, Pedreiras, Chuí, Bairro Granja Portugal, Belém , Parque Olivândia I, Parque Olivândia II, Menino Deus e Dr. Seixas.

Neste caso seriam 9.422 famílias, a menor parte a ser reassentada em conjuntos na região metropolitana e a maior parte indenizada e sem previsão de qualquer alternativa residencial. Já no âmbito do PROMURB (Projeto de Melhorias Urbana e Ambiental) do Rio Cocó / Metrô–Fortaleza e entorno, seriam atingidas 3.500 famílias. No similar Projeto Vila do Mar – Pirambu, Cristo Redentor e Barra do Ceará, várias famílias já foram removidas e há mais 1.434 famílias com deslocamento compulsório projetado. Por sua vez, no projeto Aldeia da Praia (no Serviluz), que não consta no pacote das obras para a Copa, há mais de 1.600 casas marcadas para sair.

Em Manaus, a obra viária para o BRT deverá atingir 900 famílias compreendendo  três bairros da zona leste da cidade: São José, Tancredo Neves e Mutirão. Até o momento não há informação ofi cial à respeito. O detalhamento do projeto está em fase final de conclusão, pois recebeu contestações do Tribunal de Contas da União, a Prefeitura Municipal, responsável pela obra, não tem disponibilizado informações, gerando um clima de incerteza entre moradores das comunidades. Outra obra viária projeta para cidade é o VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) que implicará remoções, contudo não há nenhum dado oficial disponível. O Comitê Popular da Copa e o Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM), já solicitarão informações aos órgãos públicos, e deverão entrar com ação contra o início das obras caso o destino das famílias permaneça incerto.

Em São Paulo, a comunidade do Jardim Paraná, estabelecida desde 1994 distrito da Brasilândia, abriga cerca de 9.000 famílias. Há rumores de que mais de 1.000 correriam o risco de ser removidas para dar lugar às obras do trecho norte do Rodoanel. Nenhum morador recebeu intimação ou algum comunicado ofi cial sobre as obras.

http://confl/ itosambientaismg.lcc.ufmg.br/info.php?id=494

quarta-feira, 27 de junho de 2012

"DOSSIÊ MEGAEVENTOS" - Dra.Lúcia Capanema (III)_
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FUTEBOL: DE PAIXÃO POPULAR A NEGÓCIO



Os debates sobre os impactos da Copa do Mundo costumam acontecer longe das quatro linhas.

Quando avaliamos as conseqüências negativas das transformações levadas a cabo para viabilizar o evento, em geral relegamos a um segundo plano os efeitos que atingem a atividade que serve de pretexto para isso tudo: o próprio futebol.

As imposições culturais que acompanham as reformas dos estádios não podem ser menosprezadas, uma vez que têm conseqüências inestimáveis, imensuráveis e de difícil reparação. A cultura, os costumes, a criatividade e a forma de se organizar e se manifestar do torcedor de futebol brasileiro estão sendo violentamente impactados e transformados. O esporte – que por aqui virou paixão nacional e um símbolo de participação popular – corre o risco de, no caminho para 2014, ser reduzido a um negócio rentável para seus “donos” e um serviço prestado a seus “consumidores”.

Em 1950, ano de realização da primeira Copa do Mundo no Brasil, o futebol já era uma verdadeira febre entre os brasileiros. Construído para este torneio, com capacidade ofi cial de 155 mil pessoas, o estádio do Maracanã foi uma das principais obras já feitas no país. O “Maior do Mundo” consagrou uma divisão setorial que já era encontrada nos principais estádios: Geral, Arquibancada, Cadeiras Numeradas, Camarotes e Tribuna de Honra, esta última reservada para autoridades e personalidades. Se, por um lado, este desenho era uma representação da segregação econômica, social e política do país, por outro, garantia a participação de todos na plateia do mesmo espetáculo. Na partida fi nal da Copa de 1950, registros dão conta de que cerca de 203 mil brasileiros assistiram in loco o Brasil ser derrotado pelos uruguaios, número que, na época, representava 8,5% da população da cidade do Rio de Janeiro.

É importante que se registre, também, que a divisão garantia a maior parte do estádio a torcedores das classes baixa e média: enquanto 93 mil e 500 lugares estavam reservados para arquibaldos, e 30 mil para geraldinos, somente 1,5 mil ingressos eram colocados à venda para aqueles que quisessem se dar ao luxo de ir de camarote. Somadas, arquibancada e geral acomodavam 80% do público.

Durante décadas, estádios como o Maracanã e tantos outros pelo Brasil se transformaram em espaços míticos que reuniram brasileiros de todas as classes sociais. avós, pais, fi lhos, netos e bisnetos comungaram da paixão pelo futebol e da experiência festiva, musical e catártica de estar em um estádio. Mais que isso, moldaram e desenvolveram formas de torcer próprias de cada região e cada cidade, identidades culturais que nos marcam como brasileiros e como sujeitos de nossos costumes e manifestações locais.

O processo de elitização, privatização e ‘europeização’ do futebol A partir da década de 1990, sob o discurso da ‘ordem’ e do ‘desenvolvimento’, e sob o argumento da adequação dos estádios brasileiros a padrões europeus de ‘segurança’, ‘conforto’ e ‘consumo’, uma campanha pela elitização e pela privatização do futebol é levada a cabo por clubes, federações, CBF e FIFA, em parceria com empresas patrocinadoras do esporte, corporações de mídia e com o apoio de governos.

No fi m daquela década, o preço dos ingressos das partidas aumenta em níveis superiores à infl ação, e alcança, hoje, valores inviáveis para famílias de trabalhadores de classes baixa e média-baixa. É assim também que a capacidade dos estádios vai sendo diminuída a partir de reformas milionárias nos maiores estádios do país. Se antes mais de 100 mil pessoas assistiam com segurança aos jogos “203 mil pessoas viram a final da Copa de 50, o equivalente a 8,5% da população do Rio.

Arquibancada e Geral acomodavam 80% do público” jogos em estádios como Maracanã e Mineirão, agora a capacidade de público cai praticamente pela metade, deixando mais pessoas do lado de fora da festa. Nesse caminho, os setores populares vão sendo sumariamente extintos.

A Copa do Mundo de 2014 vem sendo tomada por seus promotores como a oportunidade para o agravamento e a aceleração do processo de elitização. As exigências da FIFA, somadas à ganância e à infl uência política e econômica de grandes empresas, possibilitaram uma reconfi guração completa dos maiores estádios das capitais que receberão os jogos. Os “palcos” dos jogos estão todos sendo desenhados dentro de uma perspectiva européia de assistência das partidas e de comportamento dos torcedores. A abordagem mercadológica transforma os antigos “templos” do futebol em “arenas multiuso”, com “currais” Vips, poltronas acolchoadas e patrocínios de grandes marcas e grandes corporações. A razão é óbvia: estes empreendimentos geram enormes lucros tanto para empreiteiras responsáveis pela construção quanto para corporações que futuramente assumirão a exploração dos estádios. E como se não bastasse, o processo de privatização prevê a demolição, pelo futuro concessionário, da pista de atletismo Célio de Barros para dar lugar a um estacionamento.

Bela maneira de incentivar o esporte olímpico, não é mesmo?

Novamente, o caso do Maracanã é emblemático. De 1999 a 2006, cerca de R$ 400 milhões foram

gastos pelo governo do Rio de Janeiro em reformas que prometiam deixar o estádio pronto para o chamado “padrão FIFA” e para a Copa de 2014. Em meados de 2010, no entanto, o Maracanã foi novamente fechado para “reformas”. Na realidade, o estádio foi praticamente implodido, permanecendo apenas sua estrutura, tombada pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

A reconstrução sairá a um custo total estimado em R$ 1 bilhão, mas que será provavelmente superado. Não satisfeito em demolir o velho Maraca – onde tantos riram e choraram juntos – e de jogar no lixo o dinheiro público investido nas últimas reformas, o governo já anunciou, sem pudor, que o “Novo Maracanã” será concedido à iniciativa privada, que, sem investir um único centavo, acabará embolsando os lucros e poderá explorar as receitas da forma que bem entender.

Sem a geral dos estádios, “assassinadas” arbitrariamente, morrem também as manifestações populares bem-humoradas que se consagraram ali. Sem as arquibancadas, espaços de criação coletiva das torcidas, transformados em setores de cadeiras numeradas com lugares marcados – inclusive com a proibição de assistir o jogo em pé –, vão sendo inviabilizados elementos e ‘brincadeiras’ que só eram possíveis com a mobilidade dentro dos estádios, como as coreografi as, o baile de bandeiras nos bambus, os “bandeirões” e as bandas musicais e baterias percussivas.

O resultado de todo este processo, observado de forma similar em todos os estádios da Copa, não é apenas o afastamento das classes populares dos locais das partidas, mas também a violenta asfixia de uma das mais ricas e autênticas manifestações da cultura popular brasileira.

terça-feira, 26 de junho de 2012

EDUARDO GOSSON CONVIDA PARA O CULTO DO 30° DIA EM SUFRÁGIO DA ALMA DO SEU FILHO - FAUSTO GOSSON -
H O J E 

“Morrer não dói, o que dói é o esquecimento”.

O Escritor Eduardo Gosson convida Vossa Senhoria e família para o Culto em Memória do seu amado filho - 30 DIAS SEM FAUSTO GOSSON - oportunidade em que será prestada uma homenagem por diversos escritores, que recitarão poemas e crônicas. Uma plaquete com o material será entregue aos participantes que confirmarem presença através do e-mail eagosson@gmail.com

Local: Igreja Presbiteriana Renovada do Brasil - Av. Praia de Ponta Negra, 9172 - Rua paralela à Av. Eng. Roberto Freire, duas quadras após a Peixada da Comadre, uma igreja pequena, do mesmo lado, com apenas 60 lugares.

-Outra referência: Rua por trás do Restaurante Camarões velho.


Data: 26.06.2012 (terça-feira)
Hora: 19h30
"DOSSIÊ MEGAEVENTOS" - Dra. Lúcia Capanema (II)
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CIDADE DE EXCEÇÃO


“O totalitarismo moderno pode ser defi nido, nesse sentido, como a instauração, por meio do estado de exceção, de uma guerra civil legal que permite a eliminação física não dos adversários políticos, mas também de categorias inteiras de cidadãos que, por qualquer razão, pareçam não integráveis ao sistema político”

(Giorgio Agambem; Estado de exceção. São Paulo, Boitempo, 2004, p. 13)

Conhecida como “Ato Olímpico”, a Lei n. 12.035/20091 é a primeira de uma longa lista de medidas legais e normativas que instauram as bases de uma institucionalidade que não pode ser compreendida senão como uma infração ao estado de direito vigente. Nesta lei, entre outras coisas, são asseguradas condições excepcionais e privilégios para a obtenção de vistos, exercício profi ssional de pessoal credenciado pelo COI e empresas que o patrocinam, cessão de patrimônio público imobiliário, proteção de marcas e símbolos relacionados aos jogos, concessão de exclusividade para o uso (e venda) de espaços publicitários e prestação de serviços vários sem qualquer custo para o Comitê Organizador. Ademais, num capitalismo do qual o risco teria sido totalmente banido, a lei autoriza genericamente “destinação de recursos para cobrir eventuais défi cit operacionais do Comitê Organizador dos Jogos Rio 2016”.

Segue-se, a partir daí, nos níveis federal, estadual e municipal, uma interminável lista de leis, medidas provisórias, decretos, resoluções, portarias e atos administrativos de vários tipos que instauram o que vem sendo chamado de “cidade de exceção”. Todas as isenções fi scais e tributárias são oferecidas às entidades organizadoras, mas também a uma infi nidade de “cidadãos mais iguais” que não precisam pagar impostos, tributos territoriais e taxas alfandegárias. Planos diretores e outros diplomas, muitos resultantes de longos e ricos debates na sociedade, caducam em ritmo vertiginoso diante do apetite de empreiteiras, especuladores imobiliários, capitais do setor hoteleiro e turístico e, evidentemente, patrocinadores dos megaeventos.

Ao mesmo tempo, enormes extensões de bem localizadas terras públicas são entregues a grandes empresas, quase de mão-beijada, quando a Lei Federal n. 11.124/2005, determina claramente a “utilização prioritária de terrenos de propriedade do Poder Público para a implantação de projetos habitacionais de interesse social”. Em aberta violação à legislação, são aprovadas doações, concessões e operações urbanas que nada têm a ver com o interesse público ou com prioridades sociais. No Rio de Janeiro, por exemplo, o Decreto Municipal n. 30.379/2009, estabelece que o Poder Executivo “envidará todos os esforços necessários no sentido de possibilitar a utilização de bens pertencentes à administração pública municipal, ainda que ocupados por terceiros, indispensáveis à realização dos Jogos Rio 2016”. Assim, vê-se o poder publico mobilizado para “limpar” terras públicas de habitação popular e entregar estas áreas à especulação imobiliária, em nome da viabilização dos eventos.

1 O Ato Olímpico é seguido pela Lei n. 12.396/2011, que instituiu a Autoridade Pública Olímpica, responsável por coordenar e planejar todas as intervenções governamentais para a realização dos jogos na cidade do Rio de Janeiro.

Em triste evocação do que foram os tempos cinzentos da ditadura militar, o poder público cria um aparato de segurança especial (Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos, Decreto n. 7.536/2011). Para completar o cenário de exceção, uma nova tipifi cação penal e juizados especiais são previstos na Lei Geral da Copa.

Para um país que há menos de 30 anos estava submetido à ditadura, a violação sistemática de nossa legalidade e a implantação da cidade de exceção constituem legados inaceitáveis.

Garantias Governamentais para uma Copa Privada

O ano de 2007 é um importante marco nesse processo, quando o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acompanhado de onze ministros e do Advogado-Geral da União, assina o Documento de Garantias Governamentais2, contrato particular de adesão estabelecido com a Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa), através do qual o Brasil se comprometeria a atender incondicionalmente a todas as exigências da entidade, numa relação de grave subserviência política. Tais “garantias” concretizam, na prática, o clamor de empresas, consórcios e instituições fi nanceiras envolvidas por maior segurança jurídica em suas transações e investimentos. Numa análise técnica, esses compromissos podem ser considerados inválidos, uma vez jamais foram ofi cialmente publicizados e que desconsideram o procedimento regulamentado pelo art. 49, I, da Constituição Federal3. É importante lembrar também que todas as cidades-sede assumiram obrigações similares por meio dos chamados Host City Agreements.

O principal desdobramento disso, na esfera federal, foi a aprovação, em maio de 2012, da Lei Geral da Copa. Durante os nove meses de tramitação do Projeto no Congresso Nacional, sua redação original sofreu diversas alterações, em grande medida fruto da mobilização e incidência política da sociedade civil em repúdio à fl exibilização, suspensão e desconstituição de direitos sociais e fundamentais que signifi cam um considerável retrocesso político. Houve veto presidencial a apenas quatro itens, nem todos positivos. Entre eles a questão dos “ingressos populares” e o procedimento especial de visto para estrangeiros. Além de liberar a utilização de “trabalho voluntário” pela FIFA nos jogos, a presidente Dilma também rechaçou as suspensões de normas locais de benefícios ao consumir. Apesar disso, não houve oportunidade de discussão ampliada sobre os aspectos críticos da Lei ou participação formal dos principais grupos afetados pelas novas regras, resultando num diploma eivado de contradições e inconstitucionalidades, as quais podem ser sintetizadas em sete eixos de destaque. (ver imagem).

A Lei Geral da Copa, contudo, não é tão “geral” assim. Em primeiro lugar, porque, longe de proteger o interesse público, ela tem por base compromissos comerciais, ou seja, interesses privados muito específi cos. E ademais, não é a primeira e pode não ser a última das leis editadas sobre o assunto. Inúmeras formas de isenção fi scal, por exemplo, têm sido disciplinadas em diplomas como o Decreto n. 7.578/2011, ao lado de alterações nos limites de endividamento dos municípios para ações relacionadas à Copa do Mundo e Olimpíadas (Lei n. 12.348/2010).

Igualmente central na engenharia jurídica dos megaeventos é a Lei n. 12.462/2011, que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), um verdadeiro atalho à Lei de Licitações pelo qual vultosas somas de recursos públicos podem ser transferidos à iniciativa privada e que, não por acaso, efetivou-se através de Medida Provisória.

No horizonte futuro, é possível divisar ao menos outros dois Projetos de Lei de iniciativa do Senado Federal portadores de ameaças da mesma natureza. Enquanto o PLS n. 394/2009 propõe que símbolos, expressões e apelidos como “Seleção Brasileira de Futebol” e “Seleção Canarinho” sejam utilizadas somente pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), o PLS n. 728/2011 restringe o direito à greve a partir de três meses antes do início da Copa do Mundo, abre a possibilidade de proibição administrativa de ingresso de torcedores em estádios por até 120 dias, instaura uma série de novos crimes – entre eles, o tipo penal de “terrorismo”, hoje inexistente no Brasil, com pena de até 30 anos de reclusão – e prevê tanto justiças especiais quanto procedimentos de urgência para julgá-los.

Alardeados como transitórios, esses instrumentos não deixam de apresentar o risco de serem incorporados defi nitivamente no ordenamento brasileiro, depois de experimentados no laboratório jurídico dos megaeventos. A amplitude, gravidade e celeridade dessas transformações é o que permite confi gurá-las como um quadro de exceção, “a forma legal daquilo que não pode ter forma legal”, nas palavras do fi lósofo Giorgio Agambem.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Estádios novos, miséria antiga (Milton Hatoum)

Notícia

A arquibancada do Parque Amazonense era um treme-treme, o esqueleto de madeira podia desabar antes do primeiro gol, mesmo assim eu não perdia uma partida do clássico Rio Negro x Nacional. Quando chovia ou ventava, mangas maduras caíam na arquibancada e eram disputadas pelos torcedores. Como não havia drenagem no campo, a chuva torrencial transformava o gramado num parque aquático, o jogo era cancelado, e aproveitávamos para brincar na piscina formada pela natureza.

O Parque, situado num bairro humilde e arborizado de Manaus, era um dos destinos de quem gostava de futebol. No fim dos anos 60 foi construído o estádio Vivaldo Lima, vulgo Tartarugão, projetado por Severiano Mário Porto. Formado no Rio, esse arquiteto mineiro se mudou em 1966 para Manaus, onde viveu por mais de 30 anos. O projeto do Vivaldo Lima ganhou o prêmio Nacional de Arquitetura; outros projetos de Severiano foram premiados no Brasil e na Argentina.

Ele fez dezenas de projetos que, a meu ver, traduzem uma compreensão profunda de Manaus e da região amazônica. As soluções técnicas para proteção do sol e da chuva, o uso consciencioso da madeira na estrutura, janelas, portas, escadas e painéis, um sentido estético que integra a estrutura à fachada e ao espaço interior, tudo isso fez dos projetos desse mineiro-carioca-amazonense um lugar para se viver e trabalhar com conforto.

Inaugurado em abril de 1970, o Tartarugão chegou a receber mais de 50 mil torcedores em uma partida em 1980. Era um projeto grandioso, mas essa grandiosidade tinha fundamento: o arquiteto havia previsto, para as próximas três décadas, um crescimento demográfico incomum, explosivo de Manaus. Para os jogos da Copa do Mundo em 2014, o Tartarugão poderia ser restaurado e tornar-se um estádio perfeitamente adaptado aos torcedores amazonenses. Mas de nada adiantou o olhar visionário de Severiano Porto. O estádio foi demolido para dar lugar a uma obra gigantesca, caríssima, faraônica, com capacidade para 47 mil torcedores.

Destruir um patrimônio da arquitetura amazônica é um lance de extrema crueldade e ignorância. O que há por trás dessa crueldade e incultura? A ganância, a grana às pencas, o ouro sem mineração, sem esforço. O Tribunal de Contas da União já descobriu um superfaturamento na demolição do Vivaldo Lima e em todas as etapas da construção do novo estádio. Aos R$ 580 milhões do orçamento previsto, será acrescido um valor astronômico. Afora o superfaturamento e a demolição de uma obra premiada, há outra questão, demasiadamente humana: Manaus é uma das metrópoles brasileiras mais carentes de infraestrutura. Os serviços públicos são péssimos, na zona leste da cidade proliferam habitações precárias (eufemismo de favelas), a violência atinge níveis alarmantes. Depois da Copa, o novo estádio será um monumento vazio, ou um desperdício monumental. Quem paga a fatura (ou a superfatura) são os mais pobres, que necessitam de serviços públicos eficientes, e não de obras grandiosas.

Isso vale para Manaus e para as outras cidades que vão sediar os jogos da Copa. Vale para o Recife e Rio, e também para São Paulo, cuja prefeitura optou pela renúncia fiscal para ajudar a construir o tal do Itaquerão. E isso numa cidade em que faltam centenas de creches, mais de 1 milhão de habitantes sobrevivem em favelas e cortiços, milhões sofrem diariamente com a precariedade e o caos do transporte público.

Mas agora é tarde. Sim, impludam todos os estádios! Construam obras colossais e faturem montanhas de ouro! Superfaturem tudo: desde a demolição até a pintura dos camarotes da CBF e patrocinadores! Joguem no entulho e nos esgotos a céu aberto a dignidade e a esperança do povo brasileiro. Enterrem de uma vez por todas a promessa de cidadania! Caprichem na maquiagem urbana e escondam (pela milésima vez) a miséria brasileira, bem mais antiga que o futebol. E quando a multidão enfurecida cobrar a dignidade que lhe foi roubada, digam com um cinismo vil que se trata de uma massa de baderneiros e terroristas.

Digam qualquer mentira, mas aí talvez seja tarde. Ou tarde demais.




Apresento aos meus leitores a Introdução de um trabalho da Professora Lúcia Capanema intitulado "DOSSIÊ MEGAEVENTOS".
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INTRODUÇÃO

“Me sinto um otário, porque quando o Brasil ganhou esta porcaria de Olimpíada eu estava na Linha Amarela com meu carro, fiquei buzinando igual um bobão.
Agora estou pagando por isso. Isso que é Copa do Mundo? Isso que é espírito olímpico?”
(Michel, removido do bairro da Restinga, Rio de Janeiro)

O povo brasileiro, como todos os povos do mundo, pratica e ama os esportes. Talvez mais que outros povos do mundo, os brasileiros têm grande paixão pelo futebol. Como também amam suas cidades e recebem com grande hospitalidade e alegria aqueles que, de todas as partes do mundo, vêm nos visitar e conhecer nossa riqueza cultural, nossa música, nosso patrimônio histórico, nossa extraordinária diversidade ambiental, nossas alegrias e também nossas mazelas – a maior das quais é a dramática injustiça social e ambiental que constitui lamentável marca da história e da realidade atual deste imenso país.

Um Dossiê sobre a Copa do Mundo 2014, que será sediada por 12 cidades brasileiras1, e sobre as Olimpíadas 2016, que se realizarão na cidade do Rio de Janeiro, deveria ter como tema central a prática do esporte, das relações pacífi cas, culturais e esportivas entre todos os povos do planeta Terra. Deveria falar da alegria de termos sido escolhidos para sediar estes dois grandes eventos.

Mas não é disso que trata este Dossiê. Preparado pela Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa, ele fala do lado obscuro destes megaeventos. Ele fala das 170 mil pessoas, segundo estimativas conservadoras, cujo direito à moradia está sendo violado ou ameaçado. Ele fala de milhões de cidadãos a quem o direito à informação e à participação nos processos decisórios tem sido atropelado pelas autoridades constituídas, assim como por entidades privadas (Comitê Olímpico Internacional, Comitê Olímpico Brasileiro, comitês organizadores locais dos eventos) e grandes corporações, a quem os governos vêm delegando responsabilidades públicas. Ele fala de desrespeito sistemático à legislação e aos direitos ambientais, aos direitos trabalhistas e ao direito ao trabalho, aos direitos do consumidor.

Ele fala do desperdício dos recursos públicos, que deveriam estar sendo destinados a atender às necessidades da nossa população: défi cit habitacional de 5.500.000 moradias 1 Manaus, Cuiabá, Fortaleza, Natal, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre e 15.000.000 de domicílios urbanos destituídos das condições mínimas de habitabilidade (saneamento, infraestrutura urbana, etc). Para não falar da precariedade de nossos sistema de saúde e educação pública.

Tão ou mais grave que a verdadeira farra privada com recursos públicos é a instauração progressiva do que vem sendo qualifi cado como cidade de exceção. Decretos, medidas  provísórias, leis votadas ao arrepio da lei e longe do olhar dos cidadãos, assim como um emaranhado de sub-legislação composto de infi nitas portarias e resoluções constroem uma institucionalidade de exceção. Nesta imposição da norma ad hoc, viola-se abertamente o princípio da impessoalidade, universalidade e publicidade da lei e dos atos da administração pública. Interesses privados são favorecidos por isenções e favores, feitos em detrimento do interesse público. Empresas privadas nacionais e internacionais submetem a nação e as cidades a seus caprichos – melhor dizer, interesses. Nestas operações, que a linguagem ofi cial chama de parcerias público-privadas, o público, como é sabido, fica com os custos e o privado com os benefícios. Afi nal de contas, os promotores dos megaeventos falam de esporte mas tratam de negócios.

O dossiê pretende chamar a atenção das autoridades governamentais, da sociedade civil brasileira e das organizações de defesa dos direitos humanos, no Brasil e no exterior, para o verdadeiro legado que estes eventos nos deixarão: destruição de comunidades e bairros populares, aprofundamento das desigualdades urbanas, degradação ambiental, miséria para muitos e benefícios para poucos. Ele pretende, sobretudo, convocar os movimentos populares, sindicatos, organizações da sociedade civil, defensores dos direitos humanos, homens e mulheres que amam e buscam a justiça social e ambiental, a se somarem aos Comitês Populares da Copa e das Olimpíadas. Que estes comitês se multipliquem, nas cidades que sediarão os jogos, mas também em outras cidades. Em cada bairro, em cada escola, nas universidades e nos locais de trabalho, nos sindicatos e nos movimentos sociais, nos grupos e associações culturais, os cidadãos estão convidados a discutir como devem ser a Copa e as Olimpíadas que desejamos.

Não temos a pretensão de impedir que as competições ocorram. Mas queremos que a bola somente comece a rolar nos gramados após a reparação de todos os direitos já violados. Que o apito inaugural não soe enquanto os projetos associados à Copa e às Olimpíadas não tiverem sido objeto de debate público e não estiver garantida a permanência e a segurança a todas as comunidades e bairros populares. Que nenhuma medalha seja entregue enquanto a legislação trabalhista não estiver sendo integralmente respeitada.

Que ninguém seja perseguido por trabalhar no espaço público. Que favores e isenções sejam suspensos e que se garanta a preservação do meio ambiente. Que o espetáculo somente se inicie quando os torcedores e consumidores tenham seus direitos respeitados. E, não menos importante, quando os promotores da Copa e das Olimpíadas assumirem o compromisso de que os custos privados serão pagos pelos capitalistas privados, e não com recursos públicos.

É disso também que fala este dossiê. Da legitimidade incontestável dos cidadãos de lutarem por seus direitos sem serem criminalizados. Do direito de responsabilizarem as autoridades que abusarem de seu poder e de substituírem o arbítrio e a violência pelo princípio da democracia participativa, responsabilização dos servidores públicos e dos direitos humanos, inscritos em nossa Constituição e nos tratados internacionais assinados
pelo Brasil.

Apesar das dramáticas realidades que descreve e das violências que denuncia, este Dossiê não é uma lamentação mas um convite, uma conclamação à luta, à resistência.

Copa e Olimpíadas não justifi cam a violação de direitos humanos. Nenhum direito pode ser violado a pretexto dos interesses e emergências que pretendem impor ao povo brasileiro, em particular nas cidades que sediarão os megaeventos. A Articulação Nacional dos Comitês da Copa e das Olimpíadas convida todos os cidadãos a participarem da luta para que tenhamos COPA E OLIMPÍADAS COM RESPEITO À CIDADANIA E AOS DIREITOS HUMANOS!