quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Corra que o fim do mandato vem aí
Publicação: 27 de Janeiro de 2013 às 00:00
Luciano Ramos - Procurador-Geral do Ministério Público junto ao TCE/RN 


Ao debutar na vida econômica, aprendemos a importância de se ter crédito e travar relação de confiança com aqueles que realizamos negócios. Recordo que assimilei a lição já nos primeiros passos da inserção no mercado, quando “comprava” churros de um assíduo vendedor na porta do colégio. De inusitado, o fato de que adquiria a iguaria trocando-a por passe escolar (cartão magnético é novidade dos anos 2000), que o vendedor recebia com um pequeno deságio.

Ocorre que aqueles papeizinhos retangulares, criados para pagamento da tarifa de ônibus, tinham uma validade pré-determinada. Desavisadamente, nem eu nem o vendedor percebeu que a “moeda” que tinha para trocar pelos churros estava expirada, consumando-se o negócio. Resumindo a história, com a percepção posterior do equívoco, fiquei um mês sem meu lanche, além de ter que pagar um deságio maior quando voltei a ter crédito (a lógica do mercado pune até mesmo crianças inocentes).

Infelizmente, alguns gestores públicos enxergam esta relação de modo diverso, pois parecem ter adquirido o trivial hábito de dar calote em fornecedores quando se avizinha o final do mandato e o Chefe do Executivo não tenha sido reeleito ou feito seu sucessor, fazendo-o como se consequências não houvesse.

Os efeitos econômicos negativos desta maneira de contratar com o setor privado sempre existiram, em face de surpresas amargas como esta “moratória de fim de mandato”, que obviamente reflete-se em sobrepreço nos produtos e serviços contratados, mais uma vez em detrimento do interesse público.

As consequências jurídicas desta prática para o gestor é que são mais recentes. Ironicamente, muitas destas atitudes deletérias para as Finanças Públicas decorrem atualmente de incompreensões da lei que veio disciplinar a responsabilidade fiscal em nosso país (Lei Complementar nº 101/2000), diante da falsa perspectiva de que anular atos afastaria a incidência de suas normas.

Mas como disse em outro artigo, comparando a tentativa de revogar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) à revogação da lei da gravidade, dada a sua flagrante inocuidade, aqui também vale a comparação quanto à anulação das despesas decorrentes de contratos cujas prestações já foram fornecidas ao Poder Público e cumpriram todo o trâmite contábil antes da anulação. As consequências jurídicas trazidas pela LRF têm seu momento de origem quando da realização de despesas sem observância das suas normas, em nada alterando posteriores anulações verticais, sem que haja efetivamente vícios internos à realização da despesa.

Inalteradas as consequências jurídicas com estas anulações, ainda teremos que conviver com as graves consequências econômicas, pois o Poder Público não poderá furtar-se a contratar os mesmos produtos e serviços que lhe permite cumprir as suas funções. Como não há almoço grátis no capitalismo, o valor do calote estará embutido explícita ou implicitamente nas próximas licitações ou contratações diretas.

Assim, ou reestabelecemos a credibilidade do Poder Público nas suas contratações, ou para continuar a realizar negócios com o mercado, a Administração Pública terá que instituir um “FGFM” (“Fundo Garantidor de Fim de Mandato”), tal qual foi obrigado a fazer com a criação do Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas (Lei nº 11.079/2004), em face dos inúmeros problemas no pagamento de obras públicas. Como, felizmente, está fora de cogitação um disparate como a criação de um novo fundo, então, aos gestores que sucedem a estes questionáveis atos resta buscar o reestabelecimento da confiança dos fornecedores, que estão devidamente munidos pela lógica do mercado, cujo principal fator é a certeza do recebimento daquilo que com eles foi contratado, quer seja particular ou Administração Pública. E neste campo, não há muito o que se especular, o caminho é manter a ordem de pagamento de acordo com a sequencia da realização e liquidação da despesa.

O mercado não pune apenas crianças inocentes comprando churros na porta da escola, mas também o já crescido Poder Público quando se comporta mal e tenta driblar as regras da brincadeira, e o faz sem se preocupar se o produto a ser adquirido é vital para manutenção de hospitais ou outro serviço público essencial. E é primordial que assim seja, sob pena de nos tornarmos reféns do gigantismo e, muitas vezes, da irresponsabilidade estatal.

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