segunda-feira, 19 de agosto de 2013


“MAIS  MÉDICOS”: UMA  DIDÁTICA LIÇÃO SOBRE O JEITO BRASILEIRO DE FAZER POLÍTICA

Geniberto Paiva Campos – agosto/2013 -  Observatório da Saúde/DF

Assistir,  pela TV da Câmara dos Deputados,  a audiência pública na Comissão de Saúde e Seguridade Social,  sobre o projeto “Mais Médicos” do Ministério da Saúde equivale a um curso completo sobre a forma brasileira de fazer política no âmbito do Congresso Nacional.
Trata-se de um  enfadonho ritual,  obedecido pela direção dos trabalhos e pelos circunstantes em todos os seus detalhes,  no qual a duração das falas, aparentemente mais do que o seu conteúdo, ganha um peso significativo na valoração política dos  discursos.  Mesmo com o grande interesse despertado pelo tema, com a sala da audiência repleta de congressistas e interessados em geral, o telespectador deve dispor de muita paciência para acompanhar o caminhar desse ato político/ litúrgico  com a devida  atenção.
Deve  dispor também de muitos conhecimentos prévios e saber utilizar os códigos que permitem decifrar a evolução  de uma “ Audiência Pública”. E também, é bom repetir, de muita, muita paciência. Mas a lição vale a pena. E quem sabe, vai ajudar a compreender melhor o funcionamento do Legislativo Federal. De como as coisas se  desenrolam (a ambiguidade do termo é proposital) e caminham no lento e às vezes tedioso processo legislativo.
Convidado, às vezes sinônimo de convocado, o ministro da Saúde Alexandre Padilha usou do seu longo  tempo disponível para, com voz monocórdica e utilizando recursos audiovisuais, falar do Programa Mais Médicos, colocando o ponto de vista dos seus idealizadores no âmbito do governo. Foi uma exposição longa, por vezes repetitiva. Ouvida em respeitoso silêncio pela plateia. Não houve apartes ou interrupções à fala do ministro. No máximo alguns bocejos. Ou impaciência bem disfarçada.
Inscritos previamente, falaram, dando inicio aos debates, quatro deputados, dois da oposição e duas (ambas representantes femininas) da base de apoio ao governo. Dos quatro, 3 eram médicos. Todos, por motivos diferentes, utilizando o seu tempo disponível para questionar a forma e o conteúdo do Programa. E  em completo acordo sobre a necessidade Mais Médicos passar pelo crivo do Congresso Nacional. Todas as intervenções  demonstraram preocupações quanto à qualidade  profissional dos médicos estrangeiros e o risco que poderia advir para a saúde das populações assistidas por estes profissionais, no caso de formação científica e prática deficientes. Colocando as provas do Revalida como condição essencial para a contratação dessa mão de obra. Consegui, com algum esforço, acompanhar a fala do Ministro da Saúde e a intervenção dos 4 primeiros congressistas  inscritos no debate. A partir desse ponto desisti, ao perceber que o debate estava com a sua trilha balizada.
Em resumo, questionava-se a pronta iniciativa do Governo Federal, através dos Ministérios da Saúde e da Educação, na tentativa de resposta ao clamor das ruas por melhor qualidade dos serviços públicos. E,  pela primeira vez nos últimos meses, ficou implícito no debate a escassez de médicos no Brasil.  Há menos de um ano tentava-se proibir, por desnecessária,  a abertura de novas vagas nos cursos médicos e a – heresia das heresias – criação de novas Escolas  de Medicina no país. Já se dispunha de Faculdades Médicas em número mais que suficiente. Como se vê, o debate evoluiu para novos entendimentos. Agora com o Revalida ocupando os primeiros lugares na pauta de preocupações dos debatedores. Claro, sempre na defesa da população brasileira.
Tentando fazer um resumo do que pude assistir da Audiência Pública sobre o Mais Médicos, o que mais desperta a nossa atenção é mesmo o direcionamento da exposição ministerial e dos debates em sequência. Todos essencialmente focados em dois pontos dessa pauta: a iniciativa do Governo Federal e a reação dos profissionais médicos e das  suas corporações de ofício, tendo o plenário da reunião da Comissão de Saúde e Seguridade Social como  caixa de ressonância desse embate político. Fica claro que ali não se busca,  necessariamente,  soluções para o problema da população  sem assistência médica. Trata-se, antes de tudo, de escrutinar as ações de governo e as reações corporativas para definir possíveis vencedores desse embate. E com um único e certo perdedor: o usuário carente em suas necessidades de saúde.  Aliás, raramente  lembrado ou  mencionado pelos debatedores. Pura e permanente  abstração.
Outra impressão deixada pela Audiência Pública: a mudança de atitude da Câmara dos Deputados. Há poucas semanas tão sensível  à “voz rouca das ruas”, pressurosa em atender as demandas dos manifestantes, agora se apresenta menos dócil a esses reclamos.  A presteza, para alguns críticos abjeta, com que foram votadas  pelo Congresso Nacional a “PEC 37” e a proposta de tornar “crime hediondo” os atos ilícitos praticados por agentes públicos vai sendo, gradativamente, substituída pela velha politica dos antigos políticos. Nossa velha  e antiga conhecida.
A ausência total de médicos em boa parte dos municípios brasileiros, curiosamente, não chega a despertar grande comoção entre os presentes à Audiência. Para quem dispõe de assistência médica de qualidade, em situações de rotina e nas urgências e emergências, fica realmente difícil imaginar o atendimento de um abdome agudo ou de um politraumatizado por técnicos de enfermagem ou de curiosos abnegados, pela falta absoluta de profissionais médicos qualificados nas proximidades. Isso também pode ser inserido na cota das abstrações.
 Da análise da Audiência Pública da quarta feira, 14 de agosto de 2013, seria correto  concluir  que o chamado “jogo político”  estaria voltando ao seu curso natural. A Voz das Ruas, embora não totalmente silente, está pelo menos abafada. Exercendo, talvez, menor pressão sobre o Poder legislativo.  É possível que os novos atores, peregrinos das praças e das ruas, ainda não tenham conseguido o seu espaço definitivo nesse jogo complexo.  E que, como regra inviolável, jamais aceitou amadores e ingênuos em geral em seu meio. Voltemos, portanto, às normas velhas e confiáveis. Com outro jeito, embora. Fica concedido.
 Evocando  Lampedusa, afinal, é preciso  fazer as mudanças para que as coisas continuem as mesmas. 

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