quarta-feira, 18 de setembro de 2013

A PRAIA DA PIPA E O LAMBE-LAMBE PORTENHO
Ormuz Barbalho Simonetti
         A Pipa é aquela praia aonde tudo acontece. Chego mesmo a afirmar que ela tem poderes místicos de atrair coisas que vagam pela terra ou pelo mar, e um belo dia, inexplicavelmente, encalha em suas areias.
         Hippies de todos os “espécimes”, excêntricos para todos os gostos, artistas, profissionais diversos, desocupados e pessoas que por vários motivos desejam permanecer no anonimato, têm encontrado nessa boa e acolhedora praia, o lugar ideal. A deficiência no policiamento, aliado ao grande número de andarilhos que anoitecem e não amanhecem, fazem da Pipa o paraíso dessa gente.
Mesmo na baixa estação, é grande o fluxo de pessoas advindas de Natal e João Pessoa que chegam, principalmente, para se deliciarem de sua diversificada gastronomia, de padrão internacional, ou mesmo, curtirem a noite da Pipa, com seus bares e boates para todos os gostos. Por conta dessa grande quantidade de flutuantes anônimos é que não raro, bandidos procurados pela justiça, escolhem este paraíso para se refugiar, naturalmente, desfrutando de certa tranquilidade. Aqui, além de contar com a costumeira acolhida nordestinamente pipeira, contam também o completo anonimato.
         Na semana passada, estava no alpendre de minha casa com alguns amigos, quando divisei ao longe, a imagem ainda difusa, de uma figura que logo me remeteu a década de 60. À medida que se aproximava, um turbilhão de lembranças misturava aquela excêntrica criatura as antigas ruas e praças de Natal da minha infância e adolescência.
Caminhava vagarosamente pelas areias da praia, como se procurasse algo. Ao chegar mais perto pude enxergá-lo melhor. Tratava-se de um lambe-lambe! Carregava no ombro, com o tripé voltado para frente, aquele surrado caixote onde de um lado se encaixa um conjunto de lentes esquisitas, e do outro, um pano preto cobrindo toda a extremidade do caixote.
Lembranças de minha infância chegavam com uma nitidez impressionante. Dos passeios na Praça Pedro Velho quando podíamos encontrar os fotógrafos da época, munidos com suas modernas rolleiflex como também os lambe-lambe que pacientemente, sentados em tamboretes em baixo dos fícus benjamina, aguardavam os clientes. Também era comum encontrá-los no Quitandinha no bairro  do Alecrim e na Av. Rio Branco em frente ao antigo Mercado da Cidade, onde atualmente funciona a Agência do Banco do Brasil.
Na Ribeira faziam ponto em frente a CR – Circunscrição do Serviço Militar - aonde recrutas chegando principalmente do interior de estado, se aglomeravam desejosos para se alistarem nas fileiras das forças armadas, ou “assentar praça”, como costumava definir os que residiam no interior do Estado. E esses candidatos a praças, normalmente se valiam dos serviços do lambe-lambe, bem mais em conta que os fotógrafos convencionais e com a vantagem de receber a fotografia em poucos minutos.
         Não pude deixar passar aquela oportunidade de registrar tão curiosa figura. Invertendo os papeis, solicitei ao retratista permissão para fotografá-lo junto com sua câmara lambe-lambe.
         Percebendo seu sotaque portenho perguntei a cidade onde nascera. Disse chamar-se Daniel Doval e que havia nascido no ano de 1961 na província de Entre Rios ao norte de Buenos Aires.    Revelou que nunca gostou de trabalhar em estúdio e sempre foi fotógrafo de rua, com predileção em fotografar turistas. Começou sua carreira profissional tirando fotos pelas ruas e avenidas de Buenos Aires principalmente no bairro de San Telmo onde morava. Conversa vai, conversa vem, foi-me contada um pouco de sua história de vida.
         Certo dia resolveu mudar o estilo e arriscou atrair os pretensos clientes nas fotos de “minuteira” como é conhecido nosso lambe-lambe na Argentina e aí já se vão quinze anos. A denominação vem, desde que foi criado no século XIX, pois as fotos eram reveladas em minutos. Já a denominação de lambe-lambe faz alusão ao fato do profissional lamber a foto após o processo de lavagem, identificando a qualidade da revelação, quanto à eliminação dos sais. Se a fixação tiver sido completa, os sais doces solúveis serão eliminados facilmente na lavagem da foto. Esse processo tornará o tempo de vida útil da fotografia indeterminado.  Caso contrário, os sais amargos, insolúveis, bem como os de sabor metálico não poderão ser eliminados. Neste caso, a vida da fotografia estará seriamente comprometida.
         Nas ruas de Buenos Aires trabalhando com a “minuteira”, percebeu que a grande maioria dos seus clientes era composta por brasileiros em passeio turistico àquele pais. Então pensou: “se aqui está dando certo, lá será muito melhor”! Não teve dúvidas: botou a viola no saco, deixou para trás três esposas, quatro filhos e rumou para o Brasil.
         Em 2009 chegou em Paraty no Rio de Janeiro, onde trabalho por dois anos. Com espirito de giramundo parte para a região nordeste e vai oferecer seus serviços profissionais em Olinda-Pe, cidade turístia que muito ouvira falar quando ainda morava na Argentina. Naquelas ruas entre um instantâneo e outro,  soube da praia da Pipa. Dias atrás desembrcou em nossa praia e se descobriu, segundo ele, num verdadeiro paraíso. E a exemplo de vários outros que aqui chegaram, também demonstrou grande desejo de fixar residência.
No dia seguinte ainda o vi vagando por entres as barracas na beira da praia com sua “minuteira” descansando em cima do ombro, atraindo a atenção dos turistas. De quando em vez atendia a solicitação de um freguês que desejava registrar à moda antiga e em preto e branco aquele momento de descontração. Depois disso, não tive mais notícias do “Don Ruan” argentino. É bem possível que tenha retornado ao seu país, afinal quando partiu deixou para trás, quatro hijos e  três mujeres loucamente apaixonadas.    
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Fonte fotográfica: Blog Genealogia e História, de Ormuz Simonetti      

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