sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Olho matutino

(Lívio Oliveira)

Cruzam-se os voos, os cantos, os bicos.
Viajam, solenes, as aves sobre o meu teto (e pousam).
O dia ingressa por entre colunas firmes de luz
inaugurando chamamentos que os galos entoam.

Subindo a rua o homem marrom que veste marrom
empurra uma carroça com papelão e lembranças.
Um gato retardatário da noite se lambe no tapete
e a velha senhora prepara o café ouvindo rádio aeme.

As crianças vestem fardas e guardam sonhos.
Suas lancheiras, em cores, esborrotam de ilusões.
A água ferve e zune no bule de alumínio amassado,
enquanto o homem gordo se fere no barbear.

Raios brancos penetram por frestas e leves cortinas amarelas.
Lentamente o vigia recobra a lucidez e acorda do sono bom.
Os derradeiros jornais do século anunciam milímetros de chuva.
O bairro vai mudando sua geografia enquanto a mosca vê o bolo.

Já é hora e a moça acomoda o sutiã sobre os seios pequenos.
O café espalha perfume alegre pelos cômodos cheios-vazios-solenes.
Espanta-se o último bêbado, o de bolsos furados, que caminha trôpego:
sob as árvores, folhinhas úmidas e machucadas e um ninho caído.

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