quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

UM HOMEM TEM 3 METROS DE ALTURA
(sobre o meu amigo João Faustino)*


O ano de 2014 começou enviesado.
Uma semana após as festas em que renovamos as esperanças com a chegada do Ano Novo, sou despertado por um telefonema. Era de Natal. A voz metálica, carregada de emoção, comunicava a morte inesperada de João Faustino. Amigo/irmão muito querido.
Somos de uma mesma geração. Estudamos juntos no Colégio Marista.  Final de década de 1950. E aí nos tornamos amigos. Para sempre.
Formávamos um grupo que pretendia um mundo novo. Acabar, e rapidamente, com a Injustiça e a Desigualdade vigentes. Começamos na JEC, Juventude Estudantil Católica. Após ingressar na Universidade, continuamos na JUC. E depois na Ação Popular/AP. Todos, movimentos inspirados da doutrina social de Igreja, arejada pelos ventos que sopravam do Concílio Vaticano II.
Havia em nós uma crença arraigada na Educação Popular. O instrumento mágico, demiúrgico. Capaz de produzir profundas mudanças na organização política, social e econômica do país. De forma suave e  pacífica ,  conforme imaginávamos.
O Movimento Militar de 1964 nos mostrou a dura realidade: as mudanças, por nós  imaginadas para a construção da Justiça e da Igualdade entre os brasileiros, não eram bem vistas. Eram movimentos suspeitos.  Contaminados pela doutrina comunista. E o nosso grupo, composto, entre outros, por Faustino, Marcos Guerra, Francisco Ginani, Josemá Azevedo, Maria Laly Carneiro, além de vários rapazes e moças, militantes dedicados de uma bela causa, teve os seus sonhos mudancistas precocemente abatidos.  E de tal forma irredutível, que se supunham varridos para sempre da nossa pauta política.
Nos tornamos presos políticos. O preço do nosso sonho foi a perda da liberdade.
Do nosso grupo, a maioria permaneceu no país. Outra parte preferiu o exílio. O importante é que estávamos vivos. E éramos jovens, iniciando a nossa vida.
João Faustino resolveu ficar em sua terra. E  iniciou carreira no serviço público, como professor. Posteriormente ingressando na política partidária, vocação que cumpriu por toda a sua vida.
Como “servidor público” – no mais elevado sentido do termo – vocação irresistível, integralmente cumprida, o testemunho de João Faustino é fascinante. Conheci poucas pessoas ligadas de forma tão serena e feliz no cumprimento das suas funções públicas. Exercidas com rara dignidade, coerência, humildade e dedicação.
(Em nosso tempo de estudante,  “ O Apanhador no Campo de Centeio” de J.D. Salinger, livro aparentemente despretensioso, fazia a cabeça da nossa geração, tornando a sua leitura e releituras quase obrigatórias. Lembro uma passagem do livro, na qual o personagem principal, Holden Caufield, repete a seguinte frase, ouvida num diálogo com um dos seus professores: ”a caraterística do homem imaturo é pretender morrer nobremente por uma causa. Enquanto a caraterística do homem maduro é querer viver humildemente por essa causa”).
Creio que o João Faustino foi sempre um homem maduro . Em suas escolhas. Na forma como educou os seus filhos, juntamente com Sonia, companheira de toda a vida. E na forma de percorrer seus caminhos. Menos em busca de realização pessoal. Sempre focado no ideal de servir à sua terra, à sua gente. Sempre com um olhar de compreensão, respeito e compaixão pelos desafortunados e deserdados da vida.
João Faustino era um homem digno. Em nosso convívio, nunca ouvi dele queixas, mágoas ou lamentações. Jamais ressentimentos. Era um político respeitadíssimo pelos seus pares. Sabia fazer política.
Já caminhando para o final de sua vida pública, coerente e exemplar, João Faustino foi vítima da  truculência dos organismos do Estado. Como sempre parecendo compreender as fraquezas humanas e as sutilezas do jogo político, João Faustino respondeu, mais uma vez, com o Perdão. Formalizado em livro, cujo título evidenciava a sua elevada estatura humana: “Eu Perdoo”. O sereno grito de revolta de um homem inocente. Injustiçado e com seus direitos ameaçados por um poder judiciário mais comprometido com o espetáculo do que com a Justiça.
Descansa em Paz, querido amigo. A sua vida inteira foi um testemunho de bondade e coerência. A prova mais cabal de que um Homem tem 3 metros de altura...

*Geniberto Paiva Campos – médico / reside em Brasília/DF 

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