quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014


                A afiada tesoura do querer de Rizolete
por: Nelson Patriota

As questões de gênero não passaram em vão pela poesia

norte-rio-grandense contemporânea em sua vertente feminina (e
feminista). Uma evidência é que nela se fala mais de sexo e desejo do
que de romance; mais de conflitos de poder do que de sentimentos; mais
de crises do que de alegrias. A poesia de Rizolete Fernandes é uma
dessas poucas vozes dissonantes nesse concerto de gêneros ao eleger para
seu canto a leveza dos sentimentos, ao contrário de confrontá-los.



Essa poesia das formas mínimas do sentir e que se replica numa prosa
de discrição, como se pode ver no conjunto de crônicas que Rizolete
Fernandes enfeixou em "Cotidianas" (Sarau das Letras, 2012), dá corpo a
uma sensibilidade que trilha um caminho conforme a sua própria natureza,
e que nela encontra seu melhor argumento.



Essa característica tão peculiar de sua prosa pode ser constatada,
agora sob forma poética, em seu novo livro "Vento da tarde/Viento de la
tarde" (Sarau das Letras, 2013), em edição bilíngue português-espanhol,
com tradução espanhola de Alfredo Pérez Alencart, da Universidade de
Salamanca. O Prólogo também é assinado por Alencart e serve como porta
de entrada à poesia de Rizolete, haja vista que se intitula justamente
"Itinerário de Rizolete".



Experiente na lida com a poesia portuguesa/brasileira, haja vista que
é também o tradutor, dentre outras obras, de "Misto códice" (Sarau das
Letras/Trilce ediciones, 2012), de Paulo de Tarso Correia de Melo,
Alencart toca em algumas questões fundamentais da poesia de Rizolete,
como, por exemplo, a prevalência do sensível que a distingue.



Sobre esse tema, indaga: "De onde vem essa delicada corrente de
realidade que semeia em seus poemas Rizolete Fernandes?" Sua resposta
não poderia ser mais exata: "Entendo que da humildade, mas não daquela
que só perfuma a boca do que esconde suas vaidades, e sim dessa
singeleza que se há amadurecido como um largo ritual em meio ao assombro
de viver".



Em outro momento de seu ensaio/prefácio, Alencart escreve, a título
de síntese: "Vento da tarde é uma passarela por onde desfilam os seus
dias e os dos outros". E, sem resistir ao tom professoral, ensina: "Não
esqueçam que o eu da poeta nem sempre resulta ser o seu, pois costuma
abarcar os demais".



É bem disso que se trata em "Vento da tarde/Viento de la tarde", de
uma especial delicadeza poética, desde sua forma breve, e que se esgota
às vezes num dístico impactante, como no poema "Espinhos": "Consigo
dialogar com os espinhos / difícil é entender o que dizem as rosas". Ou
ainda nesse singelo elogio à arte, cujo título é justamente "Arte": "A
arte / é o que dá sentido à vida / em qualquer tempo / em toda parte".



Outras vezes, a complexidade do argumento poético exige da poeta três
versos, o primeiro expondo o leitmotiv, o segundo desdobrando-o,
enquanto, no terceiro, dá-se seu desfecho. Em "Fatal", tem-se, assim:
"Foi te ver e sonhar / para meu ativo / emocional // Não por premeditar /
foi o teu sorriso /azul e fatal // Agora / inda que ternuras estiem /
ou respingos / nuances me desmaquiem / antecipo domingos". Ou ainda,
dessa vez tratando da fugacidade da vida, Rizolete Fernandes diz em
rimas alternadas em "Escassez": "inspiração escassa / a poesia fugidia /
o tempo passa / pelo dia".



Com "Vento da tarde/Viento de la tarde" Rizolete ingressa no seleto
clube dos poetas norte-rio-grandenses cuja obra está disponível em
outra(s) língua(s), o que já reúne um número razoável de autores, dentre
os quais, Marize Castro, Paulo de Tarso Correia de Melo, Diógenes da
Cunha Lima, David Leite e Zila Mamede.

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