quinta-feira, 8 de maio de 2014

A Diferença do casamento da filha do rico para a do pobre...

(*) Gutenberg Costa.

Em mansão de rico quando se toma umas e outras e bate aquele papo intelectual, ás vezes nem tanto, senta-se em cadeiras luxuosas, mesas mais luxuosas ainda e o que se vê é geralmente o que eu tanto ouvia quando criança lá na cidade de Pendências/RN: “Muita farofa é sinal de pouca carne!”. Bem, vou contar uma história verdadeira que presenciei em minha vida anos passados, quando fui convidado para prestigiar um badalado enlace matrimonial de uma filha de um rico aqui em Natal. A dita festança da filha do rico deu-se num desses salões de recepções com muito requinte e decoração cinematográfica. Inúmeros fotógrafos, cinegrafistas e seguranças. Mesas ornamentadas e violonistas acompanhando a bela noiva na triunfal entrada da festa. Muitas fotos, abraços e comida que era bom para a ocasião – nada! Fiquei esperando vendo o glamour ambiental dos ricaços e com muita fome tive que chamar um elegante garçom e suplicar-lhe algo que aliviasse a miséria na barriga. Este educadamente desculpou-se e tentou explicar-me que só a partir das 22 horas era que iam chegar às mesas as coxinhas e pastéis, devido aos rituais do então casamento. O jantar mesmo só ás 23 horas. O mesmo observando minha insistência, ainda trouxe-me, mesmo escondido uma dose de uísque e uma coxinha no bolso. Contrariado com tanta demora gastronômica, tomei a bebida em um só gole e muito ligeiro e desconfiado ‘capei o gato’, em disparada para casa em procura de jantar algo típico sertanejo e bem nutritivo. Lá em casa graças a Deus, a garrafa de café está sempre cheia e não falta mistura pronta para uma visita seja que hora for. Algum tempo, ‘fujo’ como o diabo da cruz de certos ambientes luxuosos, traumatizado com a espera e a fome que passei na festa do casamento da filha do tal rico. E não adianta os amigos insistirem, que o milagre eu conto-os, mas esconderei os nomes dos santos até a morte!
Certa feita, estando na pequena e acolhedora cidade de Serra Caiada em uma pesquisa de campo, eis que fui convidado ás pressas para uma festinha de casamento da filha de um pobre agricultor da região. Chegando a referida festa, o pai da jovem filha recém casada, muito preocupado com minha presença, foi logo me dizendo em cima da bucha: “Dotô, me adesculpe a mesa que só tem três pernas, mas encostada na parede não cai não senhô. E me perdoe o senhor se assentar num tamborete velho”. Me vendo tranquilo e alegre com a sincera recepção, foi logo tratando de me apresentar o casal feliz de nubentes. O pai da moça pobre não arredando da minha mesa, começou indagando-me: “O dotô quer celveja, vinho, uísque, cachaça, rum montila, conhaque e batida de maracujá?”... “E o quê o dotô vai querê pra fazê a parede?” E emendou sem perder tempo o velho pai que de pobre não tinha nada: “A gente tem perparado nas panela: guiné, galinha caipira, poico, carne assada, picado de carnêro e de poico, pato, farofa, arroz, macarrão, feijão verde e feijoada!”. Fartura que só em tempo de eleição nas fazendas dos antigos coronéis nordestinos aos eleitores encabrestados!
Como estava na frente da casinha ainda deu para ouvir o bom ‘forró pé de serra’ animando os convidados do casamento pobre lá no terreiro do fundo do quintal. Não seria correto chamar essa festa de pobre. Pois pobre é o cão! Já dizia uma velha máxima tão ouvida na feira do meu Alecrim. E ainda acrescentaria agora aos leitores: Pobre é a miséria, que é encontrada em meio á tanta riqueza de certos bestas viventes que dizem morar ‘trepados’ em apartamentos! Rico mesmo, era como dizia minha saudosa e sábia mãe, dona Estela: “Meu filho, rico de verdade é aquele que tem saúde e não deve a ninguém!”.
Hoje vivo feito gato ‘escaldado’ com ‘medo de água fria’, de certos convites luxuosos impressos que me chegam, bem como também a certas festas do tipo ‘vips’,‘chiques’ ou mesmo como se dizia antigamente - muito ‘granfinas’. A cada festa de ‘arromba’, parece que o filme agora contado volta-me à cachola de folclorista. Confesso que já vi quase tudo nesse mundão esquisito e perigoso como diria o falante ‘Riobaldo’, da clássica obra de Guimarães Rosa, mas juro que ainda não tinha parado para comparar a festa do pobre e com a do rico. Aí pensei: na beira da piscina do rico um garçom bem vestido serve aos convivas: coxinha, pastel, azeitona, salsicha cortada em rodela, palito, água mineral e guardanapo. Tudo isso no centro de uma mesa bem florida e decorada. E lá no quintal do pobre cheio de sombra e água fresca a gente mesmo é quem bota a mão na cumbuca: tamborete, mesa velha, simplicidade, alegria, bate papo sem interesse financeiro e diga-se - muita fartura em comida e bebida. Festa de causar inveja a muita gente, principalmente aqueles, que se acham endinheirados e além de tudo – famosos em colunas sociais e ostentadores dos face books...

(*) É presidente da Comissão Norte Rio Grandense de Folclore.

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