quinta-feira, 10 de julho de 2014

N O T A S   E X I S T E N C I A I S

POR: GILENO GUANABARA, do IHGRN


     Tenho recebido manifestações de leitores acerca das matérias que público nas quartas-feiras no JH. Certo dia, uma delas revelou-se grata com a informação de que D. Pedro II fora favorável à abolição da escravatura, no Brasil. Os fatos da nossa historiografia são intencionalmente mal difundidos, com prejuízo da memória nacional.

      Com frequência encontramos em nossa História fatos e personagens que em nada são diferentes na História da Humanidade. Guardadas as proporções de tempo e de latitude, o mundo é uma aldeia, cujos habitantes interagem em torno de si e à distância, desenvoltos, às vezes com traumas, com aventuras e negócios. Se para uns a História não se repete, para outros a repetição é uma tragédia, só passível de ser remediada pela lógica da cultura acumulada. Acredito que as pessoas têm a clarividência instintiva para se rebelarem contra fórmulas arcaicas, repetidas e já superadas algures e alhures. Enquanto isso, a vida continua.

     A ciência econômica do século XVIII, pela intensificação dos estudos inovadores da economia, revelou um modus novo, segundo o qual a realidade se antepõe a práxis do meramente penso, logo existo. Assim, a ideia em si se submeteria à determinação prévia e natural das necessidades sentidas e satisfeitas através do trabalho, decorrência da carência que é motivadora e a razão de ser da sobrevivência da espécie humana. Tal dicotomia especulativa é também pragmática e não se esgota automaticamente, nem é excludente entre si.
            
       À determinada verdade um dos postulados se sobrepõe ao outro, cabendo à intervenção investigativa definir qual deles é temporal ou permanente. Brotam as teorias, ora contra, ora a favor de um dos conteúdos divergentes, independente das certezas ou incertezas que se revelem, ou que se esgotam no estágio vestibular.
            
     Ás vezes, semelhantemente a duas linhas paralelas vistas a partir de um mesmo ponto, casos ocorrem em que os conteúdos diferenciados, embora tenham a aparência divergente, quando postos ao rigor do exame, convergem e se revelam, ao final, como se uma unidade. Assim, não havendo propriamente uma exclusão, observa-se com facilidade a confusão de conceitos que eram só divergentes na aparência, pois se tratam de versões assemelhadas, servindo apenas de pretexto para confundir a realidade. 
          
Ocorrem mudanças significativas de definições ou de comportamentos, em face de novas especulações, de novas influências, ou de novos utensílios tecnológicos. O progresso que daí se verifica contribui para a revolução dos conceitos. É fatível que surjam experimentos novos, fórmulas experimentais diferenciadas, capazes de se insurgirem contra as verdades até então estabelecidas. Nada se descarta. Dá-se um acúmulo permanente de conhecimento, cujo acervo se torna um fato cultural a mais que se armazena e é disponibilizado em DNA futuro.
           
      Sem muito esforço, é possível admitir-se uma estreita ligação, mesmo que cartesiana, das conclusões a que chegou Adams Smith, acerca do valor e da acumulação capitalista, até chegar-se às formulações de Carl Marx; ou dos postulados filosóficos individualistas de Emmanuel Kant até as formulações sociológicas de Engels. A partir do século XVIII as concepções do pensamento aristotélico foram alvo de profundas reviravoltas, com repercussão na vida, na arte, na política e sua representatividade. A era dos governos despóticos, teatralizados no centralismo aristocrático, deu lugar aos embates parlamentares próprios da múltipla representação republicano/burguesa, no que se consolidou o ente nacional, consequência da Revolução Francesa. Portanto ciência, política, religião e economia andam juntas, a par de contradições inerentes.
            
        Eis a Era das Revoluções - 1789/1848, no dizer de Eric Hobsbawn, um período da História, de conflitos contundentes entre o modus econômico novo a se insurgir contra o velho modelo, com reflexo na ciência, na religião, na literatura, nas artes e na gerência da representação política. Mudanças que se deram não pelo triunfo da liberdade e igualdade em si, uma utopia, mas pela emergência do que se chamou “middle class”, a classe intermediária, e, por isso, a contradição, espremida entre, de um lado, a monarquia, a nobreza e a igreja; e, de outro, os camponeses, os artífices, os burgueses e os pequenos/burgueses. O idealismo, como fórmula que promoveu a ação produtiva, submeteu-se à produção para satisfazer o mercado, a “indústria capitalista”, a sociedade burguesa e liberal, mais precisamente com sede na Grã-Bretanha e França, Estados de onde o modus se consolidou e se disseminou pelo mundo.
      
      Portanto, a sociedade burguesa individualista destacou o aparecimento de forças sociais novas, sua estratificação, complexidade e necessidades. O nascimento do parque fabril de Lancashire, os princípios da revolução burguesa, as primeiras ferrovias e a publicação do Manifesto Comunista, foram o sintoma das verdadeiras contradições que o mundo pariu e assistiu a partir daquele momento. O mundo continuou a crescer.

     Afinal, agora torço para que os recursos infinitos da internet, a mídia e os eventos a que se propõem, não se destinem a alienar, como ocorreu a partir das fábricas ou das igrejas. Temo que, no vazio da ópera, a intolerância desnature a dialética da realidade: o trabalho, a solidariedade, a propriedade, a ética e as instituições políticas não sejam descaracterizados. O altar musicalizado dos hinos e letras grandiloquentes, em louvor de conquistas de menor significado, difundidos a cabo e a cores, podem contaminar o bom senso. A gravidade estará na difusão de contradições menores, que subutiliza o pensamento e subestima a inteligência. Adams Smith e Carl Marx sonharam diferentemente. Pode até o comitê dos negócios e o poder político reprimirem para não se falar em o ópio do povo. Mas a verdade nos espera na esquina mais próxima.

            

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