segunda-feira, 4 de agosto de 2014

GENIBERTO CAMPOS



IMPACTO  DA  ATENÇÃO  PRIMÁRIA  DE  SAÚDE NA MORTALIDADE POR DOENÇAS CARDÍACAS E CEREBROVASCULARES NO BRASIL   - Um Estudo Longitudinal ( 1 )

Análise e Comentários por Geniberto Paiva Campos  - Brasília/DF  - Julho/2014

1.    A PESQUISA

Artigo publicado recentemente no British Medical Journal/BMJ – julho/2014 -  traz evidências científicas sobre o impacto  dos cuidados da Estratégia Saúde da Família/ESF na redução da mortalidade por doenças cardíacas e cerebrovasculares no Brasil.

O estudo, de desenho longitudinal, cobriu  um período de 10 anos (2000 a 2009). Foram analisados os dados  de qualidade estatística confiável, obtidos em 1622 municípios brasileiros cobertos pela ESF. Utilizando modelo de regressão binomial negativa ( 2 ) a pesquisa avaliou possíveis impactos da ESF em desfechos “duros” como a mortalidade, ajustada por idade, decorrentes de doenças cardíacas isquêmicas e cerebrovasculares, além das taxas de hospitalização no mesmo período.

O desenho estatístico  utilizado mostrou-se bastante preciso no sentido de demonstrar a importância da Atenção Primária de Saúde/APS no controle de condições crônicas,  sensíveis  à atenção ambulatorial.  Evidenciando  reduções significativas nas taxas de óbitos dessas patologias nas populações  diretamente submetidas à influência da ESF – consultas médicas e de outros profissionais de saúde, visitas domiciliares, campanhas educativas, acesso à medicação. Outros fatores, potencialmente capazes de influenciar os desfechos, tais como aumento concomitante da renda familiar e da escolaridade, melhorias das condições de habitação e de saneamento  das populações em estudo  foram neutralizados na análise estatística dos dados.

A influência da APS nos resultados foi rigorosamente definida em  quatro níveis: nenhum (0%); incipiente(< 30%); intermediário (30-60%)  e consolidado (> ou = 70%)

A pesquisa logrou demonstrar que a APS, muitas vezes negligenciada em sua efetividade no  manuseio clínico das Doenças Crônicas Não-Transmissíveis - atribuindo-se prioridade quase absoluta ao nível hospitalar -  pode se constituir em importante ferramenta estratégica  das políticas públicas de saúde,  na abordagem preventiva, diagnóstica/terapêutica e seguimento  (folow-up) dessas doenças. Propiciando  o seu controle,  obtendo evidências científicas robustas e com impacto mensurável  nas estatísticas de morbimortalidade, nos países em desenvolvimento, a exemplo do Brasil.

NOTAS:

            1. “ Impact of primary health care on mortality from heart and cerebrovascular diseases in Brazil: a nationwide analysis of longitudinal data”

 Davide Rossela postdoctoral researcher, Michael O Harhay PhD student, Marina L. Pamponet researcher, Rosana Aquino associate professor, Mauricio L. Barreto professor

Instituto de Saúde Coletiva,Federal University of Bahia; Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde, INCT-CITECS, Salvador, Bahia, Brazil, Center for Clinical Epidemiology and Biostatistics, University of  Pennsylvania School os Medicine, Philadelphia, USA

BMJ 2014; 348:g4014 doi: 10.1136/bmj.g4014 (published 3 july 2014)

2.    Regressão Binomial Negativa/RBN é usada, com vantagens reconhecidas,  quando  os resultados  a serem analisados são expressos em números - por exemplo, óbitos ocorridos  num determinado ano do calendário gregoriano – e o modelo de  Poisson não é aplicável, por apresentar grande dispersão dos dados. O uso da RBN é cada vez mais frequente na literatura, principalmente na avaliação de impactos.

2.    COMENTÁRIOS 

Esta pesquisa, com desenho científico preciso e elegante, poderá se constituir num marco de referência para a APS – PSF no Brasil e na América Latina. O rigor da metodologia  cientifica utilizada permitiu  demonstrar  evidências incontestáveis quanto à eficácia das ações no nível básico do atendimento. As quais, normalmente, abrangem a promoção, a prevenção, o tratamento, a reabilitação, e até a atenção domiciliar e o tratamento paliativo. Ou seja, a Integralidade das ações  assistências,  um dos mais significativos princípios do Sistema Único de Saúde /SUS.

Decorridos aproximadamente vinte anos da implantação do PSF, o nível de atenção hospitalar contínua, imbatível, como a prioridade absoluta do sistema assistencial brasileiro. Essa regra vale para  maioria dos gestores do sistema e para os incansáveis críticos do sistema hospitalar público, alojados na Imprensa. E que repetem o seu bordão, o qual determina que a “a saúde no Brasil é um caos”. Verdade assimilada de forma acrítica por segmentos populacionais sensíveis às pregações midiáticas , repetidas exaustivamente até que se tornem realidade.

Os resultados evidenciados na pesquisa apontam claramente para a urgente necessidade de (re) organização do Modelo Assistencial brasileiro. O qual, por imposição histórica e cultural  tornou-se um modelo essencialmente hospitalocêntrico, onerando excessivamente os custos operacionais e sobrecarregando as emergências hospitalares, em função, principalmente, das dificuldades de acesso comunitário aos níveis básicos e intermediários dos serviços de saúde.

Outra evidência trazida pela pesquisa, talvez a mais significativa, mostra a importância da APS no controle das condições crônicas não-transmissíveis. Sem qualquer caráter especulativo. Baseada em dados de origem confiável e com metodologia adequada, deixou claro a importância da atenção básica na redução de óbitos e internações hospitalares por doenças cardíacas isquêmicas e cerebrovasculares.

Os autores da pesquisa assumem que este é o primeiro estudo  a demonstrar os efeitos da APS, em âmbito sistêmico, na mortalidade cardiovascular. E atribuem à proximidade das unidades assistenciais das suas residências e a consequente  facilidade de acesso a um serviço público de saúde, livre de pagamentos diretos, a redução de barreiras  geográficas e econômicas para os usuários. Tornando a APS uma estratégia de elevado nível de custo/efetividade para lidar com as doenças cardiovasculares.

Os autores do estudo tiveram o cuidado de demonstrar que a APS/PSF não tiveram associações significativas com a mortalidade por  causas externas (acidentes, violência), as quais foram usadas como controle na pesquisa. E acentuam que as causas externas não foram objeto de ações preventivas por essas instâncias, no período estudado.

A Tabela a seguir (modificada pelo comentarista) mostra, comparativamente, as variações das taxas de mortalidade por doenças cerebrovasculares, cardíacas e por acidentes, entre os anos 2000 /2009, nos 1622 municípios brasileiros, nos quais havia a presença ativa da APS/PSF.




Evento

2000

2009

DIFERENÇA

% de MUDANÇA

Doenças cerebrovasculares

40.1 (27.7)

27.0 (19.8)

- 13.1

- 32

Doenças do Coração

23.3 (21.8)

12.9 (13.3)

- 10.4

- 44.6

Acidentes

41.8 (29.8)

47.0 (32)

+ 5.2

+ 12.4






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