segunda-feira, 15 de setembro de 2014

De La Coruña ao Parque
das Dunas

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Luciano Ramos
Presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público de Contas (CNPGC); Procurador-Geral do MPC/RN

O brasileiro enfrenta os problemas sociais de maneira peculiar, conforme cultura e história próprias, mais afeitas à imprevisibilidade do drible do que ao planejamento e à organização. No dizer da Ministra Carmen Lúcia, ao analisar as constantes emendas constitucionais, diante das dificuldades de se fazer gols com os pés, seríamos capazes de alterar a regra do jogo em curso para legalizar o gol com a mão. Nós enxergamos com relativa naturalidade estas mudanças bruscas de direção, desnorteando a barreira legal, como em um drible de Garrincha.

Mas estes arroubos criativos, no que diz respeito à segurança normativa, tornam-se menos naturais quando somos confrontados com outras culturas, defensoras do planejamento social, com prevenção de riscos e análise de consequências a médio e longo prazo, em detrimento do improviso.

Este choque de concepção ficou nítido durante o I Curso Euro-Brasileiro de Contratación Pública- La Coruña/Espanha, de 1 a 5/09/2014. Ao proferir ali palestra sobre contratação pública estratégica, percebi como são diversos os parâmetros brasileiros e espanhóis diante de um impasse ambiental gerado pela própria Administração Pública.

  Convidado a expor o ponto de vista do Ministério Público de Contas, levei a debate o problema da duplicação da Av. Roberto Freire em Natal/RN, e seus efeitos sobre a área de preservação permanente do Parque das Dunas, no bojo da análise de critérios sociais e ambientais.

Exposto o fato, os espanhóis - sobretudo professores de direito administrativo da Universidade da Coruña - não concebiam como o Poder Público pôde planejar uma obra desconsiderando uma área legalmente protegida. Já para parcela considerável de nós brasileiros, embora percebêssemos algo fora de ordem, de tanto ver proliferar este estado de coisas, isto não seria tão inconcebível, inclusive com a relativização do tamanho da área do parque que seria afetada e considerações a respeito do local já ter sido anteriormente degradado.

Mas até que havia certo consenso quanto ao erro originário do Poder Público, pois lhe bastava demandar do então futuro contratado um projeto técnico que não afetasse o parque e preservasse o meio-ambiente para a nossa e as futuras gerações. Porém, a Administração Pública não o fez, embora a modalidade de contratação escolhida lhe permitisse fazê-lo – contratação integrada (RDC) em que o projeto básico é feito pelo contratado, a partir das especificações do anteprojeto feito pela Administração.

Com este pecado original, contratou-se legitimamente uma empresa para conceber e executar o projeto. No entanto, surgem a lei e o Parque das Dunas no meio do caminho. E aí a diferença de cultura se torna mais nítida.

Nesta encruzilhada, os brasileiros tendem a trilhar o caminho da mudança legislativa, ou ao menos concebê-lo como um percurso viável, enquanto se extrai dos diálogos com os professores espanhóis que o caminho natural seria o refazimento do projeto, prevenindo um potencial dano ao meio ambiente.

Ou seja, se o Parque das Dunas fosse na hospitaleira La Coruña, ele provavelmente seria preservado em sua extensão original e quem sabe até não estaria entre as obrigações do contratado – devidamente remunerado – revitalizar a área que estaria indevidamente degrada. Esta solução seria a mais próxima da visão da União Europeia sobre contratação pública estratégica.

No entanto, é aqui que devemos resolver nossos problemas, e tramita na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte projeto de lei para desafetar aproximadamente 4,5ha da área do Parque das Dunas, de maneira a tocar o projeto tal qual foi concebido, ainda que tenha partido de erro de planejamento da Administração Pública.

Assim, o problema seria driblado e não encarado de frente. E as consequências futuras desta solução pontual? Bem, esta é uma preocupação para aqueles que gostam de planejar, para nós outros basta a plasticidade do improviso. Deus queira que a fatura ambiental e de desenvolvimento humano não seja impagável! 

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