quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Rio Grande do Norte



Água, Crise e Caos Antecipado

Francisco de Sales Matos
Prof UFRN e Procurador do Estado
Como reiteradamente dito, enquanto tento dar prosseguimento aos trabalhos indenizatórios das terras a serem alcançadas pela bacia hidráulica da Barragem Oiticica aflora, timidamente, um debate sobre restrição do uso de águas para irrigação no Sistema Piranhas-Açu. O fato é que nunca a história hídrica brasileira viveu tão criticamente. Somos o maior potencial hídrico do Planeta e corremos o risco de chegar 2015 com problemas de abastecimento de água em mais da metade dos municípios, ou seja, quase três mil municípios. A título de ilustração, já que estou vivendo no epicentro dessa realidade, a região do Seridó, vejo os maiores mananciais da região secando. E quem diria São Paulo, hein, campeão de desperdício de água, vivendo perigosamente?
Assim, igualmente, vivem os nossos mananciais. O Itans, em Caicó, com menos de 10% do seu volume hídrico e o Gargalheiras, que abastece Currais Novos, por volta de 6%. E o pior, nesse estágio último a água já não presta para consumo humano porque fétida e doentia; nem mesmo para dessedentação animal prestam. Entrando em colapso o Itans, entra em colapso o abastecimento d´água de Caicó, um município pólo que hoje agrega mais de 100 mil habitantes. A propósito, Currais Novos já entrou em colapso de abastecimento de água e Jucurutu, que só não entrou ainda em homenagem a uma ensecadeira construída para viabilizar a concretagem do maciço da Barragem Oiticica e, também, uma adutora de engate rápido, quebra galho, que montaram às pressas. Esta é uma carreira e uma queda, como diz o nosso sábio sertanejo. 

Não poderia deixar de observar que institucionalmente as providências para enfrentamento do problema são as mais tímidas e desproporcionais possíveis. A Agência Nacional de Água – ANA, editou a Resolução nº 641, de abril de 2014, estabelecendo regras de restrição de uso para as captações de águas com finalidades de irrigação e aqüicultura, localizadas nos corpos hídricos denominados Açude Coremas, Mãe d´Água, Piancó (a jusante do barramento do Açude Coremas) e Rio Piranhas-Açu, no trecho compreendido entre a confluência com o Rio Piancó e o Açude Armando Ribeiro Gonçalves; e, por fim, o Itans, em Caicó. A determinação deveu-se à “drástica redução” do nível do Rio Piranhas nas proximidades do município de Jardim de Piranhas, aqui no Rio Grande do Norte, que prejudicou o abastecimento de 80 mil habitantes das cidades de Potiguares de Jardim de Piranhas, São Fernando e Tibaúba dos Batistas.
O que ocorre é que a Resolução da ANA, como verberou um agricultor da Região, é igual a peito em homem: não serve pra nada. Ninguém obedece. Com sede em Brasília, sem estrutura nos estados, não há como dá efetividade à norma. Com isto os ricos, poderosos, que influenciam e determinam a política, se dão ao luxo de utilizar quase toda água para suas atividades produtivas (ou não), tais como irrigação, piscicultura, abastecimento de seus açudes, etc, inclusive detonando seus canhões de irrigação em plena luz do dia, quando a evaporação diminui em muito o aproveitamento hídrico (leia-se, desperdício), sem serem de qualquer modo importunados. E o pior, ou melhor, é que os pequenos produtores, aqueles que vivem na terra e dela tiram o sustento, tem procurado cumprir e seguir as orientações normativas da ANA, mesmo sem qualquer fiscalização que lhes imponha tal dever.
Na verdade, o dono do maior potencial hídrico do planeta, se encontra diante de um caos hídrico, pode? Consoante diagnóstico que nos fornece o Atlas Brasil – Abastecimento Urbano de Água, lançado pela ANA.  “A maior parte dos problemas de abastecimento urbano do país está relacionada com a capacidade dos sistemas de produção, impondo alternativas técnicas para a ampliação das unidades de captação, adução e tratamento”, aponta o relatório. Mas, o fato é que produzimos as mazelas necessárias para tal: depredamos as matas ciliares, provocamos o assoreamento dos rios, tornamos os álveos dos rios condutos de esgotos in natura, praticamos a cultura do desperdício das águas.

E, por último, não poderia deixar de registrar, já que estamos em período de campanha política, que não vi os candidatos, em todos os níveis, destacar em suas falas preocupações compatíveis com questão tão séria, a não ser demagógica e pontualmente. Enfim, antecipamos o caos hídrico e rogamos a Deus para que ele não se instaure definitivamente.

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