sexta-feira, 7 de novembro de 2014

GILENO GUANABARA, escritor


A DIVISÃO DAS ESQUERDAS E A DISPUTA ELEITORAL

Seria uma mera alegoria considerar a plenitude intelectual marxista, sem que haja o descortino da frágil formação política, dado a restrita literatura disponível e a prática sofrível a que todos socorremos, em que pese o baluartismo da militância contra a ditadura, empreendida nos anos dourados do entusiasmo juvenil. Não foi diferente ao tempo do exercício profissional, dada a cavilação pessoal de se tornar um espécime raro entre os pares. O movimento sindical e profissional, por força do corporativismo infantil originário e dos limites legais que o cercam, deu experiências factuais. Por fim, chega-se à idade da razão.

            Dada a falta de formação teórico-acadêmica, fato agravado pelos preconceitos que sobejam, mesmo assim restou o bom senso da vida vivida de parte de quem, vez por outra, se valeu da criatividade exposta pela dúvida, em busca de respostas compatíveis. Uma delas que instigaram desde cedo essa procura foi a divisão que reina no engajamento político das esquerdas, observável a partir da organização dos trabalhadores, com a criação da Associação Internacional dos Trabalhadores em 1864. Ali, dentre as correntes de pensamento, duas se destacaram: de um lado, os socialistas seguidores de Carl Marx e, de outro lado, os anarquistas, liderados por Bakunin. Foi a época da Primeira Internacional que teve vida efêmera. As fronteiras entre elas ficaram definidas.

            Após a morte de Marx, com a presença marcante de Engels e Kaustky, excluídos os anarquistas, surgiu a Segunda Internacional (1889), também chamada Internacional Socialista, onde proliferavam diversas correntes de pensamento, tais como: os revisionistas (Berntein); os reformistas (ortodoxos), com Kaustsky; e os integrantes do revolucionarismo, sob a liderança de Lenin que, após o êxito da Revolução Bolchevista na Rússia (1919) iriam constituir a Internacional Comunista e modular e disseminar os partidos comunistas contrários à socialdemocracia.

            Com a morte de Lênin, os bolcheviques russos, seus seguidores, se dividiram. Uma ala, ao centro, sob a liderança de Stalin, inicialmente, afastou a facção mais à esquerda, esta liderada por Trotski, o qual veio a fundar a Quarta Internacional (1938). Depois seguiu-se a eliminação do grupo bolchevique de Bukharin, mais à direita, dando-se o aniquilamento dos seus notáveis.

            A par da divergência interna do pensamento entre os bolcheviques russos, internacionalmente destacaram-se as formulações divergentes de Gramsci, na Itália, e da polonesa Rosa Luxemburgo, cujos fundamentos desapontavam a política bolchevique. Deve-se lembrar também a presença dos socialistas democráticos, ou austromarxistas (Otto Bauer), conhecidos por “Nova Esquerda”, bem assim da chamada “terceira via”, situada entre a socialdemocracia e os comunistas, que predominou dentre os eurocomunistas (Berlinguer). Possível registrar ainda o Maoísmo, com influência entre intelectuais e estudantes na década de 1960, ou o “socialismo autogestionário”, com influência a partir da Iugoslávia, com formulação cooperativada de uma economia menos estatal. Há também a “socialdemocracia clássica” que predominou na Suécia, com viés de maior regulação na economia e menos intervenção, diferentemente da “Terceira Via”, a qual influiu na Inglaterra de Tony Blair, ou o “Novo Centro”, na Alemanha de Gerard Schroeder. Pode-se, finalmente, lembrar o “socialismo-liberal” objeto do pensamento de Noberto Bobbio, a partir da Itália contemporânea.

            Razão ocorre a Eric Hobsbawn, em sua História do Marxismo, que agora chega às livrarias do Brasil, ao afirmar que não é pertinente falar-se de um movimento marxista único, quer seja na práxis, quer seja na sua maturação acadêmica, que perpassa desde a Escola de Frankfurt (Junger Habemas), indo por George Lukács e Louis Althusser.

            Não é motivo de estupefação, pois, a diversidade convergente das correntes de pensamento político, estampada na última disputa eleitoral no Brasil, sediadas todas no campo plúrimo da esquerda democrática. A presença de Luciana Genro (PSOL); de Eduardo Jorge (PV); de Eduardo Campos (PSB); de Marina Silva (REDE); Aécio Neves (PSDB); e por Dilma Roussef (PT), pautaram suas falas ao largo das fronteiras excludentes do pensamento fascista, golpista, ou simploriamente conservador. Por mais diferenciadas que se intencionassem, as candidaturas de Zé Maria (PSTU); Mauro Iasi (PCB); e Rui Pimenta (PCO), não alteraram o quadro normativo da disputa, nem se insurgiram contra o pluralismo de pensamento e prática democráticos. A pobreza do debate é um outro problema.

            No hebdomadário que publicamos neste diário (JH de 24/09), registramos a esperança de a disputa eleitoral não se limitar aos maus augúrios da “vitória pela vitória”, a luta histérica de líderes sem vocação, iracundos e ignorantes, a qualquer custo, independentemente do resultado que foi proclamado afinal. Tínhamos por referência as dificuldades enfrentadas pelo povo italiano, a fim de recompor a unidade de forças progressistas e convergentes, embora diferenciadas, necessárias à superação dos efeitos da guerra e da intervenção nazista na Itália daquela época. Entre nós e agora, as dificuldades políticas são de outra monta, mas não menos ponderáveis. Exigem o reconhecimento da democracia como valor universal e o reconhecimento do papel do adversário, a fim de se estabelecer o debate e encontrar os novos caminhos a seguir.

            O resultado do pleito, em destaque as forças que se igualaram no segundo turno, facilita compor o campo político a ser travado, a par de diversas forças que se propõem a avançar.  Inexiste na atualidade núcleo político hegemônico que por si só se atreva a dessinventar as trevas. Segundo o amigo e pensador Cláudio Oliveira, em matéria que me enviou pela internet, “Ou reconhecemos o pluralismo no campo da esquerda e busquemos uma convivência democrática e respeitosa ou teremos de inventar um “esquerdômetro”, um aparelho capaz de identificar a “verdadeira esquerda” e a “linha justa”, cuja experiência de partido único na Europa do leste não foi das mais exultantes”. Esse o desafio.

             

Nenhum comentário:

Postar um comentário