sábado, 13 de dezembro de 2014



Maria de Oliveira Barros

            Felizes os que tiveram a oportunidade de conhecê-la. Na beleza de seu rosto angelical, na perfeição escultural de seu corpo, na intimidade da alcova, na amizade sincera e cativante, na maneira justa e respeitosa como tratava os seus subordinados, na bondade para com os deserdados da sorte e na solidariedade que prestava aos seus familiares.

            Foi uma mulher à frente do seu tempo. Corajosa em contraponto a uma sociedade que ocultava os seus mais íntimos desejos e necessidades no preconceito e justificava as suas mais incongruentes atitudes através de sofismas ilusórios. Sociedade que rotulava de virtuosas as mães que estufavam o peito ao exclamarem: “prendam as suas éguas por que os meus cavalos estão soltos”! O cuidado e as virtudes eram para as meninas!
            Maria viveu esse tempo e foi chamada de a primeira grande dama de Natal. Era proprietária de um cabaré, (local de trabalho das damas da noite que, guardadas as devidas proporções, se assemelhava ao Moulin Rouge e ao Lido de Paris) que lhe rendeu o cognome de Maria Boa. O seu estabelecimento era refúgio para os visitantes e homens da cidade que conversavam, bebiam, assistiam a shows e, no imaginário erótico, buscavam a compra de fantasias luxuriosas que lhes eram negadas na alcova familiar. 

            Maria de Oliveira Barros nasceu em Campina Grande em 1920 e, aos vinte anos de idade, foi trazida para trabalhar como babá na residência de um importante cidadão natalense. Alguns meses depois, não se contentando com as atividades desempenhadas pela linda donzela, inerentes à função para a qual foi contratada, o cidadão avançou o sinal e, para não ter complicações com a família, alojou a linda jovem em uma residência, patrocinando as suas despesas. Era dado o primeiro passo para a criação da casa lendária que passaria a integrar, mais tarde, os pontos turísticos de Natal.

            A importância de Maria Boa era tamanha que ela avalizava títulos bancários de empréstimos feitos por figurões da cidade e os militares gravaram o seu nome no avião militar B-25 5079, utilizado na 2ª Guerra Mundial. Maria foi às lágrimas quando recebeu a homenagem que foi conferir com os seus próprios olhos.

            Vivi com Maria de Oliveira Barros três experiências marcantes. A primeira, exercendo o pastorado da igreja Batista, quando formamos um grupo ecumênico que, além de minha pessoa, era composto pelo padre Pedro Ferreira da Costa, a farmacêutica Izolda Leite da Fonseca, as assistentes sociais Salete Nóbrega e Ivanize Silva e a artesã e alfabetizadora Maria Silva. Todas as segundas-feiras à tarde – naquele dia o cabaré não funcionava – realizávamos um trabalho de autoestima com as mulheres internas com o objetivo de proporcionar-lhes uma nova opção de vida. Eram palestras educativas, religiosas e atividades de artesanato. Na primeira reunião, através da gerente Maira, nos foi apresentado o regulamento da casa. Aquele documento divulgava a forma honesta e respeitosa como Maria tratava as internas de seu estabelecimento. Causou-me surpresa e admiração.

            A segunda experiência quando, por ocasião de seu aniversário, eu e alguns servidores da Escola Técnica Federal, fomos lhe ofertar um buquê de rosas. Recebidos carinhosamente por ela, que até discurso de agradecimento fez, saímos deslumbrados.

            A terceira, já depois de estar aposentada, quando tive o privilégio de ser convidado para alguns réveillons em sua residência particular.  Foram momentos inesquecíveis. Tenho guardada, inclusive, uma foto em que estou sentado ao seu lado. Em 1996 foi o último réveillon de que participamos. A sequência foi interrompida com o seu falecimento, no dia 22 de julho de 1997.

            Junto com Maria morreu todo um romantismo de uma época. Diferente da pecadora, descrita no Evangelho, ela não foi denunciada e, certamente, o Mestre dos mestres não precisaria aconselhá-la a ser cuidadosa no viver, pois ela viveu todo o seu tempo na discrição e  recato, consciente de sua importância e do seu valor ante uma sociedade que está sempre pronta para jogar pedra nas Genís.

            Os apelos do Natal fazem renascer, em meus olhos, as luzes do seu cabaré e, no meu coração, o sentimento de gratidão pela dádiva de sua amizade e o reconhecimento e o aplauso pela mulher coragem que ela soube ser.
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Nivaldo Ferreira da Silva é professor aposentado do Instituto Federal de Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte. silvanfeni@gmail.com

 

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