sábado, 8 de fevereiro de 2014


UMA TARDE PROUSTIANA COM NALVA NÓBREGA
José Antônio Pereira Rodrigues – Procurador do Estado – Professor e Mestre em Direito

O Professor Nanael Simão Batista, jucurutuense, está em fase de montagem de sua Dissertação de Mestrado em Educação, na UFRN. Em seu trabalho, o autor aborda a trajetória pedagógica da primeira professora diplomada a ensinar na cidade de Jucurutú, região seridoense, nos idos de 1928. Essa Mestra, Olívia Pereira Rodrigues, é a minha mãe, daí o convite para o auxílio na pesquisa. Já colhemos relatos preciosos de alguns ex-alunos, assim como da única remanescente do corpo de magistério do Grupo Escolar Senador Guerra, de Caicó, dos anos 40, a Professora Guiomar Nóbrega. Na seqüência, visitamos Nalva, para investigar o episódio da aquisição do primeiro piano para uma escola pública, na cidade de Caicó. Até então, esse instrumento musical não passava de objeto de desejo das classes pobres, sendo de consumo efetivo, embora em pouco número, apenas das famílias abastadas do lugar. Minha mãe havia estudado música, na Escola Normal de Natal, na década de 20, tendo sido aluna do maestro italiano Professor Giuseppe Babini. Ao retornar ao seridó, já diplomada, e depois de sua passagem pela Escola Rudimentar Mista de Jucurutú, entre 1928 e 1930, já lecionando em Caicó, resolveu, certo dia, incentivar o Maestro Manoel Fernandes de Araújo a fundar uma Escola de Bandolins, para os jovens da cidade, incluindo-se ela mesma no corpo de alunos. A Escola foi instalada no dia 28.10.1930, num domingo, pelas 5,00 hs da tarde, em evento registrado pelo famoso fotógrafo Zé Ezelino.

A Professora Olívia sempre foi aficionada pela arte musical. Não prosseguiu nos estudos instrumentais, é verdade, mas, na sua atividade de magistério, transformou o seu amor àquela arte num fator de valorização do seu mister pedagógico. Platão tinha razão ao afirmar que a música é “o instrumento educacional mais potente que qualquer outro”. O sonho daquela Mestra era aplicar a música como ferramenta pedagógica para a interpretação e a produção textual, no ensino fundamental; a música, para ela, podia ser um instrumento motivador e facilitador no processo de apropriação da leitura e da escrita. Daí que, não se dando por satisfeita com os bandolins, resolveu tornar o piano possível e acessível aos alunos pobres do seu querido Grupo Escolar. Junto com sua colega Guiomar Nóbrega, promoveram uma campanha para constituir fundos, através de festas populares, apresentações de teatro e canto, arrecadações no comércio.

Alcançada a meta, era chegada a hora da inauguração. A nossa anfitriã de hoje, Nalva Nóbrega, então a mais destacada pianista da sociedade caicoense, tinha que ser a concertista especialmente convidada para abrilhantar tão marcante acontecimento.  Filha de Zé Nóbrega e Altamira, uma família ilustre, que expandia música aos quatro ventos, dos terraços do seu palacete encantado, no Morro da Graça, com violões em cantata e pianos em serenata. Tudo ficou registrado em Ata daquele Grupo Escolar, de 19.11.1946. As músicas tocadas foram Danúbio Azul e La Cumparsita. Tempo em que o ensino em Caicó era permeado pela sonoridade do piano clássico e do canto dos hinos patrióticos, no hasteamento da bandeira antes das aulas, nas festas cívicas, nos discursos da Professora Júlia Medeiros, nos espetáculos cheios de simbologia e emotividade.

E isto tem a ver com a presença de minha mãe no contexto histórico da educação seridoense. Daí, a importância do nosso encontro no apartamento de Nalva Nóbrega. Foi uma tarde inesquecível. Parecia estarmos em Caicó, mas foi em Petrópolis, sentindo o cheiro de sargaço com maresia, de onde se vê, ao mesmo tempo, a lua nascendo por trás do mar, e o sol se pondo para as bandas do seridó infinito. Presentes ainda sua irmã Maria do Sagrado Coração, minha prima por afinidade, outra pianista exímia e de encantadora voz de soprano, e mais sua netinha americana, de 16 anos, Juliana Iluminata Wilczynski, já poliglota e componente do Coral Girl do Estado de São Francisco da Califórnia, solando Moon River, como gente grande.

Foi uma tarde verdadeiramente proustiana. Com uma diferença: no romance famoso, as madeillenes foram a passagem para o autor remontar ao tempo oculto na memória. Na casa de Nalva o processo se inverteu. O tempo veio antes, as madeillenes, depois. Primeiro, os assuntos, a reconstituição dos fatos, Caicó presente na memória viva de uma das suas mais expressivas damas – diria melhor, uma mademoiselle, na postura sempre jovial, nas maneiras finas, resplandecendo ainda mais, em cores e brilho, ao som do seu piano de calda, no fausto, no acolhimento, no requinte do ambiente, aquele ar de classicismo próprio dos lares europeus, retratados nos romances da belle èpoque - "Antigamente as moças chamavam-se mademoiselles, eram todas mimosas e muito prendadas” (Carlos Drumond).   É o que Nalva nos transmite, na expressão do olhar e na doçura da palavra: uma madame que encanta, na figura da mademoiselle de sempre.

No ar, pairava um misto de cosmopolitismo com o mais arraigado sentimento de pátria caicoense. Pois Nalva é da sua cidade e, ao mesmo tempo, do mundo. Caicó é a sua Cosmópolis, sua cidade universal. A narração de sua história de vida foi uma viagem no tempo. Na sua busca, Marcel usava o taxi de Odilon, marido de Celeste - como lembra Paulo Mendes Campos -, à cata de informações. O nosso chauffeur, a nos guiar no caminho da volta, só podia ser o de todas as eternidades – Seu Manoel da Sôpa

Foi assim o nosso caminho de volta a Swamm, nas estradas poeirentas do tempo, na viagem dos deslumbres e dos encantamentos. E foi vindo o seu momento de produção literária, uma poética que sugere influências ora do romantismo, ora das abstrações metafísicas de Fernando Pessoa. Pelo menos em Balada do sentimento vago” – (...) “algo que não foi dito/ tédio por fim sentido/ uma mágoa deplorada/ sem lhe saber o por que”, em que se sente a presença do poeta português, num misto de racionalidade pura e enleios do coração.

Num passe de magia, Nalva transforma em prodigiosas maravilhas o som do seu piano e, por que não dizer, das suas palavras, que “têm canto e plumagem”, para usar a expressão de Guimarães Rosa, em “São Marcos”. Ela nos contou tudo, tocou e nos encantou. Ao final, elegantemente, pôs-se em pé, a mão delgada pousando sobre o teclado, fez-se reticência. Não desceu o pano, não fechou o piano, mas rogou retornos e postergou despedidas. Como nos velhos e bons tempos de uma Caicó que ainda pulsa em nossos corações, encerrou a tarde-noite com os acordes de “Salão Grená”. A voz de Carlos Galhardo parecia ressurgir, do fundo das nossas almas, como um murmúrio da história. Era como se fosse a ação de uma força telúrica nos atraindo irresistivelmente à terra-mãe: “Sei que voltarás, pois hás de lembrar que foste feliz...”

Formatura das complementaristas

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014




O PRESIDENTE DA UBE/RN TEM A SATISFAÇÃO DE CONVIDAR, PARA OS AUTÓGRAFOS DE DIULINDA GARCIA, CHEGANDO EM MARÇO COM NOVO LIVRO.
DIULINDA RESPIRA POESIA. ESSA É A SUA MANEIRA DE SENTIR A VIDA E VIVÊ-LA COM INTENSIDADE. É PARA A POESIA QUE ELA TRANSFERE OS FRAGMENTOS DO SEU EXISTIR.

O CONVITE É EXTENSIVO AOS FAMILIARES, ESCRITORES, AMIGOS, CONFREIRAS E CONFRADES DAS INSTITUIÇÕES ÀS QUAIS PERTENCE (UBE/RN, AJEB/RN, SPVA/RN. IHG/RN, INRG, ENTRE OUTRAS).

SERVIÇO:

LIVRO: RASCUNHO
DATA: 12-03-214
HORA: 19:HS
LOCAL:BUFFET RENATA MOTTA
RUA MONSENHOR HONÓRIO, 218, TIROL

AGRADECE

ROBERTO LIMA DE SOUZA
PRESIDENTE DA UBE/RN
Foto de Lucia Helena Pereira.
Foto de Lucia Helena Pereira.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014


MENSAGEM DO ARQUITETO MOACYR GOMES DA COSTA AOS DIPLOMANDOS DO CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO DA UNP.

EXMA. SNRA. PROFESSORA SÂMELA SORAYA GOMES DE OLIVEIRA, MAGNIFICA REITORA DA UNP, RESPEITÁVEIS MESTRES QUE DOARAM SEU SABER A ESTES JOVENS DIPLOMANDOS, AOS PAIS, INCANSÁVEIS COMBATENTES NESTA VITÓRIA, AOS  FUNCIONÁRIOS, INDISPENSAVEL SUPORTE NA VIDA UNIVERSITÁRIA, CAROS NOVOS COLEGAS ARQUITETOS E URBANISTAS, MINHAS SENHORAS E MEUS SENHORES:

“A ARQUITETURA É UMA MÚSICA DE PEDRAS E A MÚSICA É UMA ARQUITETURA DE SONS” dizia Beethoven há dois séculos passados. O Governador potiguar Cortez Pereira   considerava um “POEMA DE CONCRETO” a Arquitetura  de um  estádio, que inaugurava há 42 anos atrás. O famoso cronista esportivo João Saldanha dizia que o mesmo seria uma “obra prima” quando concluído. Esses pensamentos revelam a importância do ARQUITETO na própria história das artes e da evolução humana. Sendo uma das primeiras  atividades do homem em sua trajetória histórica, nos  deixa o acervo material que  permite o estudo de todo o processo evolutivo da humanidade através do tempo.     
 Assim, a Arquitetura como ARTE, conduz o Arquiteto, aliando a beleza à função, entregando-se com paixão, criatividade e emoção à difícil tarefa de buscar a qualidade de vida do ser humano, cabendo ao Urbanista propor politicas e ações em prol do bem estar de todos os cidadãos, tentando diminuir as desigualdades sociais, procurando a FELICIDADE de todos, na cidade de todos. Isto pode parecer utopia, mas é uma tarefa nobre e prazerosa, que conduz a uma missão das mais elevadas, por isso mesmo, árdua, difícil, quase sacerdotal.
Neste instante em que estes novos profissionais entram no mundo da arquitetura e do urbanismo, quero exaltar sua escolha para o tradicional nome de turma, adotando o título de ”POEMA DE CONCRETO”, em indiscutível referência àquele estádio que encantou Cortez, uma obra arquitetônica consagrada que tinha ultimamente o nome popular de “MACHADÃO”, que levou mais de meio século para ser realizada, superando os percalços de uma verdadeira Odisseia, incorporou-se à vida da cidade por 40 anos, tornou-se um marco arquitetônico do seu patrimônio público, por definição, intocável,  e que, lamentavelmente teve fim infausto, criminosamente destruído, por motivos escusos, cujo mérito não cabe comentar, neste recinto  de alegria e comemoração.
Esta turma, quando inspirou-se na  emoção de Cortez para escolha de seu próprio cognome, não só atestou a qualidade arquitetônica do patrimônio em comento, como quis prestar uma justa homenagem ao grande espírito daquele notável homem, que orgulha  o Rio Grande do Norte.
E, porque não dizer, sem falsa modéstia, que, ao me honrarem com o título de Patrono, nesta solenidade, me brindam e recompensam pela mutilação que todos sofremos.
 Discorrer sobre a perda de algo que custou 50 anos de vida, é profundamente penoso, mas encontra consolo na atitude madura e justa destes colegas ao resgatarem a memória de um patrimônio arquitetônico que nos orgulhava.
“POEMA DE CONCRETO” foi a imagem primorosa construída pelo arrebatamento de entusiasmo do grande Governador José Cortez Pereira de Araújo, conhecido por sua cultura, sensibilidade e notável senso de otimismo, no momento em que inaugurava o novo equipamento, logo consagrado por toda cidade, mas infelizmente destruído, no momento em que o Brasil abdicou de sua soberania em troca de um ilusório “legado” de benesses, ditas salvadoras da pátria, podendo resultar em canto das sereias.  Nada deste patrimônio restou, senão lembranças e fotos.
Nada do que se disser agora, recuperará o patrimônio perversamente perdido para sempre, mas será justo rememorar sua história, até como reconhecimento a todos os abnegados que o realizaram acima de qualquer interesse, e também para exaltar a maturidade e senso de cidadania do gesto desse grupo que, nos festejos de sua primeira vitória, se preocupa em  resgatar a memória do poema destruído, até como repúdio aos  que cometeram essa iniquidade.
Inegavelmente aquela obra de arquitetura era uma das referências da cidade, um dos seus pontos de atração e lazer, incorporou-se aos usos e costumes, trouxe a família e a elegância feminina para o estádio, virou cartão postal, e passou a exibir os maiores jogadores do Brasil e do mundo tais como Pelé, Eusébio, Zico,  Sócrates,  Falcão, Marinho Chagas, e a nível local Scala, Ivan, Alberi, Danilo Menezes, e muitos outros; teve eventos com mais de 50 mil espectadores;  entrou no coração do povo como um dos seus patrimônios mais queridos; teve seus dias de glória, e depois, de abandono e ocaso, até sua extinção programada.
A história começou em 1949, nas vésperas da Copa de 1950, quando conheci o  Professor Pedro Paulo Bernardes Bastos, um dos arquitetos do Maracanã a quem informei meu desejo de especializar-me em arquitetura esportiva.
 Voltamos a nos encontrar em 1954, quando eu concluía meu curso, e ele, como orientador dos nossos trabalhos de encerramento, sabedor de meu desejo vocacional me indicou o tema de um complexo olímpico, como primeiro desafio às minhas pretensões. Apresentei então o estudo preliminar do que chamei de Complexo Olímpico de Lagoa Nova, constituído por Estádio Olímpico, Estádios de Natação, de Tênis, Ginásio poliesportivo, Alojamentos, etc., projeto que veio posteriormente a ser mutilado, por interesses políticos, (velha saga que persegue o Arquiteto) sendo construído apenas o estádio e precariamente o ginásio,  improvisado em local que mal  lhe cabia,  vez que o terreno para ele previsto,  já havia sido invadido.
Assim, aquela simples rotina universitária, de conclusão de curso, transformou-se para mim, num sonho ambicioso, pois o Professor Pedro Paulo aprovou com louvor meu trabalho, incentivando-me a assumir o compromisso de torná-lo o primeiro objetivo de minha carreira profissional que ali se iniciava.                                           
De meados de 1955 até 1959 residi em Natal, a convite do  Governador Dinarte Mariz, prestando serviços profissionais ao Estado, e nesse período firmamos sólida amizade pessoal que perduraria para sempre, e muito ajudou na consecução de nosso desiderato. Juntei-me aos velhos desportistas de minha adolescência, fazendo parte de uma renitente comissão de luta pelo esporte, já naquele momento sonhando com um novo estádio, pois o velho Juvenal Lamartine já dava mostras de sua decadência.      
  Em 1959 o governador prometeu a doação de um terreno vizinho ao atual Centro Administrativo do Estado, local conhecido na época como “corrente”, condicionando à um documento que lhe desse respaldo político. Fui ao Rio de Janeiro e trouxe o documento assinado pela autoridade de Saturnino de Brito. Nessa empreitada contei com o acompanhamento do Jornalista Aluizio Menezes, que dava cobertura ao empreendimento.
O donatário era a Federação Norte-rio-grandense de Desportos, que, mediante convenio, repassou para a Prefeitura de Natal sob a batuta do grande desportista  Djalma Maranhão que imitiu-se na posse do terreno,  fez a cerca e a terraplanagem, e, quando ia iniciar a construção, teve que se exilar no Uruguai, onde morreu de saudade de sua querida Natal, como se sabe, em consequência das injunções políticas do regime então vigente, tornando-se a primeira vitima das inúmeras dificuldades que iriam perseguir aquele empreendimento, como uma bruxa do mal.
A obra parou, até que entre 1966/67, o Prefeito Agnelo Alves, fundou a FENAT- Fundação de Esportes de Natal, que, sob o comando de Ernani Silveira recomeçou a obra em ritmo acelerado.                                                                                                                                                    Já em 1967, o “Agnelão”, andava bem, até que em 1969, o regime político fazia de Agnelo a segunda vitima da batalha, tendo seu mandato interrompido, mas deixando a obra com o mínimo de 40% executada, tornando-a praticamente irreversível, porém,  sem destino certo.
Em 1971 assumia o governo, Cortez Pereira, fazendo seu Prefeito o Engenheiro e Arquiteto Ubiratan Galvão, reconhecidamente bom administrador, que logo percebeu a necessidade de dar continuação ao empreendimento,  já  sob o cognome de Castelão, em homenagem ao Presidente Castelo Branco.  Eis que, mais uma vez a bruxa se soltou, e uma crise política tirou o terceiro prefeito do projeto, até que Jorge Ivan Cascudo Rodrigues, substituto do Prefeito Ubiratan, com apoio de Cortez Pereira, decidiu continuar a obra.
Foi aí que a bruxa nos deu uma trégua. Viajei ao Rio de Janeiro em agosto de 1971 com uma carta de apresentação de João Machado para seu amigo João Havelange, Presidente da CBD, hoje CBF, o qual, apesar de nos desiludir de qualquer ajuda financeira, me autorizou a dizer aos nossos governantes que se garantissem entregar o equipamento pronto em 11 de junho de 1972, Natal seria chave do torneio do Sesquicentenário da Independência, uma espécie de mini-copa do mundo,  garantindo ainda mais, que mandaria a seleção portuguesa, bem classificada no ranking, com a presença do grande craque moçambicano Eusébio, “Bota de Ouro” da Copa de 1966,  considerado o Pelé português.
Tudo deu certo, e Natal teve alguns dias de festa e visibilidade no mundo do esporte, desfilando aqui as seleções do Chile, Equador, Irlanda do Norte e Portugal, tendo terminado o torneio no Maracanã com o Brasil Campeão, e Portugal Vice.
Pode-se dizer que o Machadão ofereceu 40 anos de alegria honesta e barata ao povo de Natal, cujos abnegados realizadores são agora reconhecidos e nominados, embora me pese o risco de cometer omissões involuntárias de memória.
São eles, Silvio Pedrosa, Ernani Silveira, Luis G. M. Bezerra, João Machado, Humberto Nesi, Dinarte Mariz (doador do terreno), Djalma Maranhão, que começou a obra, Agnelo Alves, que a deixou irreversível, Ubiratan Galvão, e, Jorge Ivan Cascudo Rodrigues, que concluiu a obra em parceria com Cortez Pereira, que a inaugurou. Destaque-se os Calculistas Helio Varela de Albuquerque, e José Pereira da Silva, que criaram um partido estrutural “poético”, legítimo exemplo de engenharia estrutural de alta qualidade a nível  de 1º Mundo, tudo executado na, ”munheca” pois não tínhamos qualquer equipamento mecânico requerido para esse tipo de obra, o Topógrafo era João Alves Santana, os Engenheiros Mário Sergio de Viveiros e  Luis Fernando Melo e a inesquecível dedicação dos Engenheiros Antônio de Menezes Lira e Luciano Barros,   que  colocaram a obra acima dos seus interesses empresariais.
Registre-se os Auxiliares Administrativos José Alexandre de Amorim Garcia, Rossine Azevedo e Moisés Dieb, os Desenhistas Rubens Ferreira Campos e Wilder Barbosa, que fizeram o milagre de desenhar um projeto de alta complexidade geométrica, a mão livre, com bico de pena, em escala 1:200 (não existia ainda o autocad), desenhando sobre portas de compensado improvisadas de pranchetas de desenho, com a areia das dunas e nuvens de pulgas entrando pelos cobogós.    
Os engenheiros e arquitetos de Natal perderam a oportunidade de eternizar este momento histórico, ficando indiferentes à estúpida e desnecessária demolição do patrimônio, cumprindo a lamentável vocação  de desprezo ao que é nosso.
Isto é memória, e, povo sem memória não tem história, e, Infelizmente o Rio Grande do Norte tem se revelado campeão da “desconstrução“ e do “desperdício” em detrimento de seus valores, daí a relevância do gesto nobre desta turma chamada “POEMA DE CONCRETO”.  
Por último, caros colegas, a título de exortação, diria que sua missão mais difícil é a de Urbanista.  O Brasil tem hoje cerca de 106.000 urbanistas, praticamente sem maior utilidade, por ignorância dos governantes que não entendem a importância do planejamento urbano como a ferramenta maior para a qualidade de vida de uma comunidade. A grande maioria das cidades brasileiras está beirando o caos, com algumas notáveis exceções, como Curitiba, que além de soluções eficientes na mobilidade urbana, apresenta um índice de 64,50 m2 de área verde por habitante e 94% de índice de coleta de esgoto.
Pelas estatísticas, em 10 anos Natal poderá ter o dobro da frota de veículos particulares, e uma população metropolitana perto de 1,5 milhões. Quantas copas a FIFA faria aqui, para suportar o “legado” necessário para atender a tão fantástica demanda?

Por fim, espero que vocês venham a produzir outros poemas arquitetônicos, sejam de concreto, alvenaria, madeira, fibras ou até de aço, belos projetos de ambientação e paisagismo, mas o que realmente desejo é que procurem dedicar parte de seu esforço ao planejamento urbano, considerando que é tão agradável  contemplar-se um poema de concreto, ou deleitar-se com a música de Beethoven, quanto ouvir-se a sinfonia de sons de crianças felizes brincando no Recreio de uma escola ou num parque público. Isso só é possível, numa cidade bem planejada. Esta é, no meu entender a missão maior do urbanista. Estarei torcendo por Natal e por vocês.  Muito obrigado pela honra e pela alegria que me propiciaram.
_______

MANIFESTAÇÕES:

 

Estimada escritora e poetisa Lúcia Helena, como é do domínio público, o arquiteto e professor Moacir Gomes da Costa, nosso velho e tradicional amigo, foi alvo de justíssima homenagem prestada, recentemente, pela Turma  de Arquitetura e  Urbanismo da UNP-2013.2, denominando-a de POEMA DE CONCRETO, expressão chantada pelo governador-poeta, Prof. Cortez Pereira, deslumbrado que ficou com as linhas arquitetônicas traçadas pelo velho "MOÁ" ao inaugurar o Estádio denominado “Castelão”, inicialmente, depois, intitulado de João Cláudio Machado, “Machadão.”  Moacir travou duas  grandes batalhas em sua vida: a primeira, para conceber o  belíssimo projeto e o consequente embate para soergue-lo;  a segunda,  a luta titânica para que não fosse destruído pelos homens e por suas avassaladoras máquinas de ferro e aço.  Debalde o combate. Os poderosos  venceram! O Poema de Concreto tombou inerte no solo natalense, embora permaneça intacto no coração do   povo  e de seus amigos.  Não  poderia vingar nos políticos, porque, parece, os políticos não o tem.  É verdade Lúcia Helena.  Os políticos ao invés de conduzirem no corpo um coração, portam, sim, um órgão frio e calculista chamado de " interesse pessoal " ou mais modernamente, "interesse coligado". Mas, deixemos os políticos e as suas mesmices, pois, o importante é pensar como o fez a Turma de Arquitetura da UNP-2013.2: arquitetou uma linda placa com a  expressão: Turma Poema de Concreto. Com esse sentimento de aprovação, prestou várias homenagens, todas muito dignas: ao arquiteto potiguar Moacir Gomes da Costa, o glorioso gladiador que não conseguiu estancar a fúria dos governantes demolidores, porém, se consagrou no coração dos natalenses,  dos seus alunos e dos inúmeros amigos e admiradores que conquistou ao longo do tempo. Portanto, LH do meu coração, a festa promovia pelos graduados da UNP foi muito mais retumbante do que aquela pálida e desnecessária inauguração  da Arena das Dunas, onde o pulsar dos corações deixou muito a desejar. Abraços, Odúlio Botelho.

Gracia Maria De Miranda Gondin Meu querido tio Moacyr, aqui do Rio de Janeiro, onde olho e vejo tantas obras também desprezadas, e se ainda não demolidas, profundamente esquecidas e depredadas como por exemplo o Pedregulho de Afonso Eduardo Ridi. Concluo que o belo da arquitetura não apenas a obra, mas sobretudo o belo que fica na memória, o que enleva o coração e a mente e fica para sempre... Eu como arquiteta e sobrinha, inspirada desde os 4 anos em seus desenhos magníficos a mão livre, sei desse seu sonho, sei de sua coragem quando dessa obra, sei do seu sofrimento com saga assassina do desconhecimento político, estético e ético que ronda nos ultimo anos nossa cidade... o monstro branco, hoje dito estádio, meio sem jeito, o qual vejo da janela do apartamento de minha mãe sua irmã, parece querer imitar de longe alguma coisa do castelão, grotescamente me espantou pela pobreza do desenho e pela cafonice da forma... Confesso, me deu saudades da leveza das curvas e da elegância do porte do castelão, aquele que você desenhou e fez dele um poema. Parabéns meu tio querido, Um beijo carinhos e lhe dizer do orgulho que tenho de você. Gracia Gondim

                A afiada tesoura do querer de Rizolete
por: Nelson Patriota

As questões de gênero não passaram em vão pela poesia

norte-rio-grandense contemporânea em sua vertente feminina (e
feminista). Uma evidência é que nela se fala mais de sexo e desejo do
que de romance; mais de conflitos de poder do que de sentimentos; mais
de crises do que de alegrias. A poesia de Rizolete Fernandes é uma
dessas poucas vozes dissonantes nesse concerto de gêneros ao eleger para
seu canto a leveza dos sentimentos, ao contrário de confrontá-los.



Essa poesia das formas mínimas do sentir e que se replica numa prosa
de discrição, como se pode ver no conjunto de crônicas que Rizolete
Fernandes enfeixou em "Cotidianas" (Sarau das Letras, 2012), dá corpo a
uma sensibilidade que trilha um caminho conforme a sua própria natureza,
e que nela encontra seu melhor argumento.



Essa característica tão peculiar de sua prosa pode ser constatada,
agora sob forma poética, em seu novo livro "Vento da tarde/Viento de la
tarde" (Sarau das Letras, 2013), em edição bilíngue português-espanhol,
com tradução espanhola de Alfredo Pérez Alencart, da Universidade de
Salamanca. O Prólogo também é assinado por Alencart e serve como porta
de entrada à poesia de Rizolete, haja vista que se intitula justamente
"Itinerário de Rizolete".



Experiente na lida com a poesia portuguesa/brasileira, haja vista que
é também o tradutor, dentre outras obras, de "Misto códice" (Sarau das
Letras/Trilce ediciones, 2012), de Paulo de Tarso Correia de Melo,
Alencart toca em algumas questões fundamentais da poesia de Rizolete,
como, por exemplo, a prevalência do sensível que a distingue.



Sobre esse tema, indaga: "De onde vem essa delicada corrente de
realidade que semeia em seus poemas Rizolete Fernandes?" Sua resposta
não poderia ser mais exata: "Entendo que da humildade, mas não daquela
que só perfuma a boca do que esconde suas vaidades, e sim dessa
singeleza que se há amadurecido como um largo ritual em meio ao assombro
de viver".



Em outro momento de seu ensaio/prefácio, Alencart escreve, a título
de síntese: "Vento da tarde é uma passarela por onde desfilam os seus
dias e os dos outros". E, sem resistir ao tom professoral, ensina: "Não
esqueçam que o eu da poeta nem sempre resulta ser o seu, pois costuma
abarcar os demais".



É bem disso que se trata em "Vento da tarde/Viento de la tarde", de
uma especial delicadeza poética, desde sua forma breve, e que se esgota
às vezes num dístico impactante, como no poema "Espinhos": "Consigo
dialogar com os espinhos / difícil é entender o que dizem as rosas". Ou
ainda nesse singelo elogio à arte, cujo título é justamente "Arte": "A
arte / é o que dá sentido à vida / em qualquer tempo / em toda parte".



Outras vezes, a complexidade do argumento poético exige da poeta três
versos, o primeiro expondo o leitmotiv, o segundo desdobrando-o,
enquanto, no terceiro, dá-se seu desfecho. Em "Fatal", tem-se, assim:
"Foi te ver e sonhar / para meu ativo / emocional // Não por premeditar /
foi o teu sorriso /azul e fatal // Agora / inda que ternuras estiem /
ou respingos / nuances me desmaquiem / antecipo domingos". Ou ainda,
dessa vez tratando da fugacidade da vida, Rizolete Fernandes diz em
rimas alternadas em "Escassez": "inspiração escassa / a poesia fugidia /
o tempo passa / pelo dia".



Com "Vento da tarde/Viento de la tarde" Rizolete ingressa no seleto
clube dos poetas norte-rio-grandenses cuja obra está disponível em
outra(s) língua(s), o que já reúne um número razoável de autores, dentre
os quais, Marize Castro, Paulo de Tarso Correia de Melo, Diógenes da
Cunha Lima, David Leite e Zila Mamede.
    Coisas que só acontecem comigo II
Por: Augusto Coelho Leal, engenheiro civil

                Acho que nasci rindo, não chorando, adoro tirar uma prosa sadia, brincar com um e com outro, jogar conversa fora, tocar teclado, cantar e ser cantado lógico, e assim continuar até o último suspiro ou último riso.
                Fui no sábado 01 de fevereiro pelo Bar do GG. Como estava passando uns dias na praia de Cotovelo, quando cheguei por lá, cada um dizia uma brincadeira, uns queriam ouvir a resposta e outros tirar um “sarro” com a minha cara. E assim se passaram duas horas. Como tinha algumas pessoas estranhas ao nosso convívio, falei quando ia saindo, que se alguém soltasse uma piada eu mandava chumbo em todos. Vou me dirigindo para o carro quando começaram os gracejos. Entrei no carro e peguei uma caixa de chumbinho (aqueles de São João), enchi a mão e disse – Lá vai chumbo mundiça, e sacudi em direção a mundiça. Quando “eles” bateram nas mesas, chão e parede foram pipocando e nego pulando pra todos os lados, Sai rindo e vingado.
                Certa vez, tinha saído de casa e ia demorar, Alzira aproveitou e foi fazer umas compras em um supermercado. Voltei mais cedo, nisso ela liga para falar com a nossa secretária e eu atendo.
                - Alô Augusto você já chegou em casa?
                - Não, estou em Londres almoçando com a Rainha.
                - Vá pra meeeeeeeeeeerda, e chame Antonia.
                Já que falei em esposa, vou continuar falando histórias da minha, porque se contar aqui histórias das outras vai dar um qüiproquó dos infernos.
                Houve um tempo em que o meu grande amigo Humberto Azevedo, dono do restaurante Xique Xique decorou o prédio iluminando a frente toda com lâmpadas amarelas, não era tempo das festas natalinas. Saí da Confeitaria Atheneu, aproximadamente às dezesseis horas e pego a Avenida Campos Sales, moro perto da Praça Augusto Leite. Passando em frente ao Bar Azulão, do amigo Dequinha, vejo o colega e amigo Lucio Flavio Othon que solitário deu-me com a mão. Aquele gesto doeu no meu coração, fiz a volta e fui fazê-lo companhia. Ele estava bebendo uísque ou Whisky e eu tinha bebido cerveja, mas inventei de acompanhá-lo também na bebida. Saí de lá oito horas da noite, igual à Vadinho de Dona Flor. Como troquei de mão na avenida, meu carro ficou de frente para o CCAB Norte, eu ia para casa. Comecei a andar e nada de chegar na praça que é bem perto. Estou perdido, disse. Quando chego em frente ao Xique Xique, que vejo aquele prédio todo iluminado, parei o carro e pensei (pensamento de bêbado): realmente me perdi, vim parar em uma cidade do interior e hoje é a festa da padroeira, a Matriz está toda iluminada, vou telefonar para casa.
                - Alô Alzira, estou perdido, vou demorar a chegar em casa.
                - Filho pelo amor de Deus, você está onde? Dei uma risada e respondi
                - Se eu soubesse não estava perdido
                - Dane-se, durma onde quiser.
                Certa vez, estava em casa me preparando para sair, já atrasado, quando chega um guarda sanitário, para verificar foco do mosquito da dengue. Ora já estava atrasado, falei para o vigilante sanitário que estava de saída, mas ele insistiu em entrar. Puto da vida permiti, aí apareceu meu anjo da guarda. O cidadão leu em uma placa (só tem a placa, não tem cachorro) que tem no portão da garagem “Cuidado cão Raivoso Pit bull,” e foi logo perguntando.
                - Senhor o cão está preso? Que cão? Perguntei.
                - Aquele que tem lá na placa do portão da garagem? Respondi que sim.
                Foi minha salvação, lembrei-me destas chamadas falsas que tem no celular, deixei o cidadão chegar perto do final do terreno, eu acompanhando, liguei para o meu celular sem ele perceber e gritei.
                - Alô pelo amor de Deus filha você deixou o cachorro solto, valha-me Nossa Senhora.
                O cidadão arregalou os olhos, saiu correndo em direção ao portão, como estava fechado, pulou a grade e caiu sentado na calçada. Ainda olhei para ele que me disse.
                - Doutor que susto hem? Escapei por pouco.
                E eu comigo mesmo, quem escapou fui eu.

      
        
       

               
               

                
               
               

                

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014


DEMOCRACIA  X  GUERRA CIVIL
Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes

           Os confrontos entre cidadãos de uma mesma nação constituem fatos rotineiros na prática democrática face aos naturais interesses antagônicos.
            Para dirimir eventuais conflitos temos à disposição os aparatos constitucionais exercidos pela Administração Pública, em especial, pelo Poder Judiciário, pelo Ministério Público e pela Polícia, de uma maneira geral.
            No Brasil não é diferente quando no frontispício da Carta Política Nacional institui um Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.
            Acontece, no entanto, nas hipóteses em que a sociedade, de quando em vez, se depare com enfermidades políticas e sociais que lhe retiram a harmonia preconizada e o aparato constitucional perde a força de combate e atuação regular, entrarmos inevitavelmente numa  luta de classes, do homem contra o homem (homo  homini lupus), sentença latina preconizada por Thomas Hobbes, que resulta numa guerra civil.
            Entende-se por guerra civil quando o confronto se estabelece entre grupos procurando impor suas regras de conduta em desrespeito às posturas do direito posto, gerando um conflito de alta intensidade, onde tem vez a violência e vítimas, além de uma oneração substancial do erário público, sem a correspondente volta ao estado anterior.
            O Brasil vive nos últimos tempos momentos de conflitos entre grupos sociais representando, de um lado, um grito de alerta ou de protesto e de outro um grupo afeito ao vandalismo infiltrado entre os manifestantes bem intencionados, confrontos que se repetem e já demonstram a supremacia dos que professam o lado negativo e de simples anarquia em seu sentido pejorativo, por ser sem objetivo definido.
            Ônibus são queimados, arrastões e roleis nas praias e em supermercados, clínicas, hospitais, condomínios, nas ruas, deixando a população atônita e sem força para reagir.
            Os Poderes constituídos não têm conseguido coibir os abusos ou separar o joio do trigo. O Executivo quando não fornece o necessário ao combate à marginalidade, deixando à sorrelfa as prioridades preferindo investir em equipamentos urbanos secundários, como exemplificam os gastos com arenas esportivas em detrimentos das obras de mobilidade e outras que garantam melhor qualidade de vida.
            Os políticos não estão tomando posição isenta, pois não sugerem medidas concretas, apoiando as ordens governamentais sem quaisquer questionamentos, ou pecam por omissão. Até a oposição se comporta oportunisticamente, combatendo por combater, sem justificativas sustentáveis, aumentando o estado de caos e a incerteza que continua prevalecendo.
            O turismo sem um projeto definido, sem fiscalização, gera inflação nos custos da subsistência, incentiva a especulação imobiliária, a prostituição infantil e aumenta o desencanto do povo, enquanto a mídia é obrigada a veicular propaganda enganosa dos Partidos Políticos nos horários nobres, sob a ineficaz supervisão dos que comandam o processo eleitoral.
            Vivemos hoje mercê dos abusos da assistência médica, da falta de segurança, obrigados a instalar verdadeiras fortalezas nas residências, o ensino público e particular é de qualidade discutível, e temos a ampliação cada vez mais evidente do tráfico de tóxicos e da incoerente restrição ao direito de posse de armas defensivas pelos cidadãos.
            Resta a indagação: isto é uma democracia ou um estado de guerra civil?
            Valorize o seu voto e saiba escolher os seus candidatos pela sua história de lutas, e não pela beleza física, condição financeira ou simpatia familiar. É agora ou nunca!

 

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

 
FAZ TEMPO...
(Bartolomeu Correia de Melo)

Era ainda menino-velho guenzo e feio quando chegou do interior praquele sobradinho sem quintal. Logo ele, criado solto entre fruteiras, que nem caga-sebite... O jeito era ganhar a rua, zangando pai e esgoelando mãe. Embora que, por medo de papa-figo, pouco se aventurasse além dum grito de distância. E pusera-se então a reinar feliz, posseiro de calçadas e terrenos baldios, jogando bola-de-gude no inverno e bola-de-meia no verão.
Como já tinha a vista rombuda, era demais cegueta no jogo de biloca. Daí que arrumou uma roleta, na qual se apostavam as ditas bolinhas de tilar. Findou sendo dono de invejável fortuna em bolas-de-vidro, estampas de sabonete “Eucalol” e notas de carteira-de-cigarro. Tinha muitas - mazaroio assim - daquelas vermelhas da marca “Columbia”, que valiam três de cigarro “Continental” e cinco das amarelas de “Astória”. Se bem que todo aquele capital não valesse nem meio velocípede, sonho azul jamais possuído. Passada a mania das bilocas, trocou toda riqueza por time de botões de quenga, dando ainda baladeira como volta. Time esse, tempos depois, confiscado em pago dum zero em aritmética. Penosa perda, pois, além do bom prumo de campeão, os nomes dos botões faziam acróstico do nome dele: Jurubeba, Bolachão e Alicate; Rolabosta, Tapioca e Ortelã; Lagartixa, Ovo-goro, Macacão, Espanta-coió e Urubuzinho.
Nos quatro aceiros do bairro, tanto pintou lambanças e quanto bordou lembranças...
Aquela ruazinha ladeirosa e esburacada, descendo até virar precária escadaria, desaguava enxurradas na Ribeira. Porém, dali se avistava riqueza-mor da paisagem natalense, mais parecendo uma pintura de Thomé. Era quando o sol vadiava restos de hora, no contraluz das palmeiras do Salesiano, pondo carmins cor-de-estio nos confins do além-rio. Naquilo se espichavam, que nem sombras barrocas, as primeiras e vagas tristezas de menino-velho.
Então, Petrópolis era bairro seminovo, ainda meio misturado, no dizer da mãe neta-pobre. Casonas modernosas, de terraço e jardim, tangendo ladeiras abaixo acanhadas casinhas de porta e janela. Aquele sobradinho, modesto mas enxerido, brotado no alto da descida, tinha varandim remediado, feito de cobongós. Jeito ainda meio suburbano, algo assim sobrevivente, quase além dos ganhos do pai e aquém dos sonhos da mãe. Ali perto da bodega de Ubaldo, nas bandas da Rádio Poti, logo abaixo do sapotizeiro de seu João Lourenço; vizinho-direito da família Rayol, vigiado pelos gansos de dona Lia de seu Joaquim Victor de Holanda.
Na ruazinha de nome deslembrado passavam pregões de garrafeiro e tingo-lingos de cavaco chinês. Descia seu Olívio da Confeitaria Delícia, deixa-que-chutando, a driblar pocinhas de lama. Subia o vate Bezerra Júnior, passo ainda firme, metrificando versos resmungados. Seu Gurgel, bedel do Atheneu, no pino do meio-dia, muito rosado, suado e zangado. Esfriando o mormaço, chegava aquela brisa camarada, boa de empinar coruja. Depois, já no lusco-fusco, surgia o velho Cambraia, feito risonho reclame da noite, gritando seu ramerrão:
- Olholhope, o Jorná de Natá, o Jorná de Natá; olholholhope, o Jorná de Natá!...
Depois do jantar, a meia-lua pousava inteira sobre os vagos mistérios da Ribeira... Seu Luiz Romão tocava na vitrola - fanhosa e avexada - valsinhas quase em ritmo de baião. Sonolento, o pai olhava as horas lá no relógio luminoso da estação. A mãe angicana, solfejando baixinho cantigas da vitrola, esperançava relampeios no rumo do sertão. Nesse enquanto, o irmão bonzinho escrevia tarefas de escola, ele vadiava, solto na buraqueira, abusando do direito de correr mil brincadeiras.
O patrão do pai e a lavadeira da mãe moravam por perto, naquele bairro ainda inacabado. Os filhos deles eram seus contrários nos jogos de pião e de botão e irmãos-de-sangue nas peladas tira-teima e guerras de carrapateira. Ele achava nos amigos pobres maior esperteza e melhor sinceridade, embora os ricos parecessem mais hábeis e interessantes. No fundo, sentia casta inveja de ambos, pois que achado tímido e simplório. No meio deles se gratificava, como que dissolvido no grupo, compartilhando inatingíveis qualidades. E aquilo bem que lhe bastava; ser apenasmente o Prof. Garrancho, insossa magreza de óculos, terceiro reserva de goleiro e soldado raso nos tiroteios de mamona. Uma turminha de cobras, criados entre os barrancos e areais daquelas quadras. Quase sempre ganhava na bola e no pique para os da Guaratuba, da Condor, da Bica da Telha e até para a estrangeira Camboim. Mas sempre perdia, no braço e na baladeira, para a vizinha turma da Tabica, rival maior, que era mesmo cipó-de-araruta. E haja cada apelido... Lambreta, Tarzan, Didica; Bolo-Preto, Bicudo, Chico Sapo; Cabo Guido, Bacurau, Fermento, Magnésia, Chapuleta... Timão de pariceiros de grandes jornadas.
Mas aquilo, como tudo gostoso ou proibido, durou pouco mais que um pouco.
Era ainda rapazinho-novo, magro e malamanhado, quando deixou aquelas esquinas, onde os postes de ferro soavam como sinos e os rabos de corujas enfeitavam a fiação. Ruazinhas descalças, molequeira na bola-de-meia, rapaziada nas últimas serenatas, moçada nos folguedos de pastoril. Ali se enturmara, aprendendo os outros, tão diferentes, na feliz igualdade da meninice. Tempo de domingos alegres e primeiras sextas-feiras; doçuras de frutas roubadas e amarguras de boletins vermelhos. No azul-maroto dum olhar sonso de menina-moça, apaixonou-se pela mão direita...
A vida que tantos juntara, a todos separou, no rumo de cada destino. Aquela turminha deu mesmo de tudo; de trambiqueiro a deputado, de empresário a biscateiro, de jogador a professor, de médico a agente funerário. Alguns, ainda hoje, lhe acenam da outra calçada; se bem que nem todos cruzem a rua para o abraço. Outros passam-lhe rente, fitando o vazio no instante do olá; por vezes, só espiam pelas costas. Aonde andarão os que sumiram sem notícias?... Contudo, sempre espera que esses avistados lhe falem primeiro; talvez porque, quando os reencontra, sinta voltarem aqueles longes dias. Afinal, em tais quandos, eram bem mais importantes; mais certeiros na baladeira, mais ligeiros nos dribles, mais despachados nas arengas, mais sabidos nas putarias... Ele apenasmente retornado ao Prof. Garrancho, magreza de óculos, goleiro frangueiro e rexingado, mas feliz e honrado em fazer parte da turma.
Nunca mais viu nem o azul daquele olhar que alumiava safadeza, nem sentiu falta da mão direita. Aquele menino-velho do sobradinho, ali ficado na beira da descida, resta muito e apenas professor, escrevivente de relembranças. Ainda quedo entre o sonho da riqueza e o medo da pobreza, como nos dias de velocípede e bola-de-meia. Sem mais ilusões de domingos alegres, segue a roleta da vida, perdendo a pureza das primeiras sextas-feiras.
Saudade tinindo que nem pedrada em poste de ferro.
____________________
 
Para Marcos Luis Massena
De Geniberto Campos,
  
Fev 2 em 8:52 AM
Caro Marcos,
Na verdade, estou ainda sob o impacto do texto do Bartolomeu.
Não só por ter vivido nas adjacências da rua em que ele morava, em Natal, e comovido pelas lembranças afetivas que evoca.
A qualidade do texto impressiona. E cria aquela situação na qual não podemos estabelecer comparações: - esse Bartolomeu escreve parecido com quem?
Não adianta lembrar nossas referências de costume. O Bartô é grande. É único. Exagero? Acho que não.
Ele pega o leitor logo no primeiro parágrafo. “Guenzo” = feio, desajeitado, era um termo usado em nossa casa para designar isso mesmo.
“ERA AINDA MENINO- VELHO FEIO E GUENZO QUANDO CHEGOU DO INTERIOR PRAQUELE SOBRADINHO SEM QUINTAL.”
Tem aí alguma coisa de alto valor literário. Toda a crônica (é crônica mesmo?) do Bartolomeu flui de maneira suave e verdadeira.
Fico lhe devendo essa.
Um bom domingo.
Copio para dois amigos natalenses.
Geniberto
 

domingo, 2 de fevereiro de 2014

 RETORNANDO AO CAMINHO DA POESIA
Neste domingo estou retornando com a página dedicada à cultura poética.


Mote de Sebastião Siqueira (Beijo)
Dedé Monteiro  
(NA ÍNTEGRA)
Nunca pensei na velhice,
Mas a danada chegou…
E o seu fantasma me disse
Que o tempo bom acabou.
E o mesmo tempo, sisudo,
Me quis despojar de tudo,
Desmoronando os meus planos.
E, pra maior pesadelo,
Jesus pintou meu cabelo
Co’a tinta branca dos anos.
O tempo passa veloz,
Deixando tudo em desgraça.
Nós nem pensamos em nós
Tão veloz o tempo passa.
Eu mesmo, em mim, só pensei
Depois que velho fiquei,
Depois de mil desenganos…
Já não represento nada,
Tendo a cabeça pintada
Co’a tinta branca dos anos.
Tudo na vida se acaba…
A mocidade, também.
A juventude se acaba
Quando a caduquice vem.
Sinto que a morte me afronta
E que a consciência conta
O meu tempo entre os humanos.
Vejo os meus dias contados
Nos meus cabelos pintados
Co’a tinta branca dos anos.
A tinta que o tempo bota
Sobre a cabeça da gente
É d’uma que não desbota,
Permanece eternamente.
Tem gente que compra tinta,
Mete na cabeça e pinta,
Só pra nos causar enganos…
Mas é besteira do povo.
Depois sai cabelo novo
Co’a tinta branca dos anos.
 

Tabira/1970
 * * *
SETE ELEGIAS DE UM ANO FINDO
 
                        1
vestida de azul levaram a infanta
e a sua casa ficou vazia
                        2
            A luiz maranhão filho, mártir do povo:
sob o peso da noite
            e do vinho amargo
bati à porta da treva
            e gritei o teu nome
mas nada ouvi senão ecos
            a fulminar
                        a memória
                        3
dois olhos vazios
            bebem sonolentos
as águas do rio
            entre eles a ponte
recolhe o choro inútil
            da argila molhada
                        4
noite
            noite fria
o vento traz a lembrança
            da poeira pisada
e do estrume dos currais
            a lua e o vento
brincam na rua deserta
            e o som do chocalho
desmaia
            nas cinzas do passado
                        5
alguém chora
            mas não há lágrimas
exceto vagalumes
            náufragos aéreos
que espalham à deriva
            luzes
                        do éden perdido
                        6
há um abismo doce
            nesses beirais que falam
da chuva que veio do mar
            e que esqueceu
a velha paixão]
            do sal abandonado
no leito secreto
            dos amores soterrados
                        7
não voltarão mais
            essas águas que passaram
levando no asfalto
            folhas caídas
das sete colinas de lisboa
            no último dia do ano findo
 
mas a passar vejo-as ainda
pois na eternidade nada finda
 
                                   (Horácio Paiva –
                                    Lisboa, 31/12/2013)
 
*  *  *
 
 

 
                                   ARCHOTES
                        Ciro José Tavares
Antes da hora acenderei candelabros das salas sem ninguém,
 no frágil lume das velas do oratório honrarei meus santos.
Nos quintais da casa arruinada farei queimar candeias,
abrir a cortina do tempo, redescobrir caminhos
e neles como filho pródigo me encontrarei.
Durante a derradeira hora entre músicas, gritos,
 repicar de sinos, céu coberto de fogos de artifício,
terei meus olhos outonais iluminados pela nova aurora
e no coração acenderei minhas palavras para falar de amor.