sábado, 27 de junho de 2015


   
Marcelo Alves
23 de junho às 13:02
 

Sobre Roscoe Pound
Tendo escrito nas últimas três semanas sobre juristas vinculados à tradição do “civil law” (também chamada de tradição ou família jurídica romano-germânica), mais precisamente sobre Montesquieu (1689-1755), Savigny (1779-1861) e Ihering (1818-1892), hoje peço licença para voltar a escrever sobre um dos grandes juristas da tradição do “common law”, o estadunidense Roscoe Pound (1870-1964), que, ao lado Oliver Wendell Holmes Jr. (1841-1935) e Benjamin N. Cardozo (1870-1938), sobre quem já escrevi aqui (sobre ambos, para ficar claro), compõe a tríade dos grandes juristas norte-americanos da primeira metade do século XX.

Nathan Roscoe Pound nasceu em Lincoln, capital do estado de Nebraska, no meio oeste norte-americano, em 1870. Seu pai, Stephen B. Pound (1833-1911), foi advogado, político e juiz. Roscoe Pound bacharelou-se em botânica, pela Universidade de Nebraska, em 1888. Obteve o grau de mestre em 1889. Ainda em 1889, foi para a Universidade de Harvard estudar direito, onde ficou por um ano, sem, contudo, obter o bacharelado (em direito). Mesmo sem titulação formal em direito, passou no “exame de ordem” (“bar exame”) em 1890. No mesmo ano, começou a advogar e ensinar direito na Universidade de Nebraska. Em botânica, obteve seu doutorado em 1897. Roscoe Pound chegou a “Dean of Law” (Deão) da Universidade de Nebraska (1903-1907). De 1907 a 1909, ensinou direito na Northwestern University e, de 1909-1910, na Universidade de Chicago. Como professor, chegou à Universidade de Harvard em 1910. Foi Deão da Faculdade de Direito de Harvard de 1916 a 1936, considerada a “golden age” dessa famosíssima escola jurídica. Pound escreveu copiosamente, sendo alguns dos seus títulos: “Outlines of Lectures on Jurisprudence” (1914), “The Spirit of the Common Law” (1921)”, “Law and Morals” (1924), “Criminal Justice in America” (1930)”, “An Introduction to the Philosophy of Law” (1930), “The Ideal Element in Law” (1958) e, o mais importante deles, o gigantesco “Jurisprudence” (1959), obra composta de vários tomos, que, na belíssima Maughan Library, quando do meu PhD no King's College London – KCL, algumas vezes consultei, sem nunca ter a menor “coragem” de lê-la por inteiro.

Como se vê, diferentemente dos já citados Oliver Wendell Holmes Jr. e Benjamin N. Cardozo, que foram renomados juízes, Roscoe Pound, com exceção de um pequeno período servindo na Suprema Corte do estado de Nebraska (1901-1903), foi, essencialmente, um educador. Isso é curioso porque os grandes juristas do “common law”, em regra, tiveram sua formação no foro e não nas universidades. A maior prova disso é que, dentre os “antigos”, os maiores tratadistas do direito inglês foram exatamente os grandes juízes. Basta lembrar Bracton, Coke e Blackstone, lembrando que os dois últimos também já foram por mim retratados em pequenos artigos publicados aqui. Quanto ao direito americano, basta lembrar que é impossível falar dele sem mencionar os nomes de juízes como John Marshall (1755-1835), Holmes, Cardozo e Earl Warren (1891-1974), entre muitos outros. Aliás, o próprio Pound, como nos informa José Luis Vasquez Sotelo (no texto “A jurisprudência vinculante na common law e na civil law”, que faz parte do livro “Temas atuais de direito processual ibero-americano”, publicado pela editora Forense em 1998), quis expressar a contraposição entre o “common law” e o “civil law” afirmando que, “enquanto o direito anglo-americano é um direito dos tribunais, cujos oráculos são os juízes, o do Continente é um direito de universidades, cujos oráculos são os professores. A diferença metodológica pode ser representada claramente contrapondo-se um ‘Direito de Juízes’ a um ‘Direito de Catedráticos’”.

Muito embora tenha contribuído com o desenvolvimento da filosofia do direito como um todo, Pound é frequentemente reverenciado como o maior expoente da corrente de pensamento jurídico, surgida no século XX, denominada “Escola Sociológica Americana”, que faz interagir, em interdisciplinaridade, o direito e a sociologia. A “Escola Sociológica Americana” segue uma trilha antes aberta na Europa por nomes como Émile Durkheim (1858-1917), Max Weber (1864-1920), Raymond Saleilles (1855-1912), François Gény (1861-1959) e Eugen Ehrlich (1862-1922), pensadores com formação tanto em direito como em sociologia, que deram marcantes contribuições para a interação dessas duas ciências. Para o século XX norte-americano, a “Escola Sociológica Americana”, introduzindo o pragmatismo de William James (1842-1910) e Charles Sanders Peirce (1839-1914) no direito, representou um forte ataque ao positivismo, sobretudo aquele desenvolvido pela “Escola Analítica Inglesa” (nesse ponto, vide artigo “Sobre H. L. A. Hart”).

De inspiração ao mesmo tempo empirista, utilitarista e pragmatista, a “Escola Sociológica Americana”, como já tive a oportunidade de escrever aqui (vide o artigo “Uma sociologia preguiçosa do Direito”), defendia “que o direito é ou deve ser a maximização das necessidades sociais e a minimização dos custos e tensões sociais”. Roscoe Pound até criou a expressão “social engineering”, para defender “a tese de que a função do direito e dos juristas na sociedade é alcançar um equilíbrio entre liberdade e controle, incentivo e proibição, fazer com que as pessoas possam interagir em sociedade com o mínimo de atrito e usando suas energias para obtenção do máximo resultado possível”. Pound, ele próprio um botânico chegado a classificações, resumiu o pensamento da escola sociológica da seguinte maneira: “(i) ela confia mais no funcionamento do Direito do que em seu conteúdo abstrato; (ii) ela entende o direito como uma instituição social que pode ser melhorada por esforço humano e sustenta missão de descobrir os melhores meios de favorecer e direcionar tal esforço; (iii) ela dá maior importância aos fins sociais a que o Direito se dirige do que à sanção; (iv) ela defende que as prescrições legais devem ser consideradas mais como diretrizes para resultados que são socialmente acertados e menos como comandos inflexíveis; e (v) ela não tem uma matriz filosófica única”.

A “filosofia” de Roscoe Pound (e seus camaradas “engenheiros sociais”) não está imune a críticas, sendo a mais comum delas a denunciada vagueza dos conceitos jurídico-sociológicos que ele elaborou/classificou. De toda sorte, como muitos dizem, o que Pound quis realçar foi a diferença entre o direito que está nos livros (“law in books”) e o direito em ação (“law in action”) e que devemos harmonizá-los, sendo que, na hipótese inevitável de conflito entre esses “direitos”, não sejamos juristas de gabinete ou, na forma como ele cunhou, “legal monks”.

Nesse ponto, estou certo, Roscoe Pound tinha razão.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

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