quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Recebi de FRANKLIN JORGE


TRUMAN CAPOTE E A CRIAÇÃO
 
 
O artista progride lentamente. Tudo parece conspirar contra seus planos, mesmo quando ele trabalha sem planos, o que ocorre às vezes com alguns artistas que se deixam levar somente pela intuição. Porém, trabalhando segundo um plano ou sem ele, um desafio impõe-se a todo criador: o de vencer a auto-satisfação que tem prejudicado e até destruído os talentos.
 
Veja-se o caso do escritor norte-americano Truman Capote, que estreou em 1948 com “Other Voices, Other Rooms”.Estreou é forma de dizer. Na verdade era o seu segundo romance, ou melhor, uma obra que não teria sido possível se ele não tivesse se apercebido das falhas do primeiro, “Summer Crossing”: uma obra, pelo que ele se lembrava, tecnicamente apurada, mas a que faltavam intensidade e dor e as características de uma visão pessoal que singulariza sua obra.
 
Um romance, portanto, fraco, superficial e insignificante, por faltar-lhe justamente o que faz uma grande obra. Densidade, outro nome para intensidade e dor...
 
Muito cedo Capote descobriu que um livro se escreve igualmente com palavras, esforço, experiência e reflexão e não apenas com entusiasmo, embora segundo Baudelaire o entusiasmo seja a forma pela qual o talento se apresenta. Mas ao entusiasmo há que se acrescentar o trabalho intelectual -- não pode ser objetivamente mensurado --, para muitos, apenas mais uma forma de ócio. Talvez por isso pudesse André Gide afirmar que não há arte sem ócio...

Sentindo-se escritor, porém sem ter ainda como prová-lo, mergulhou na leitura de Poe, Henry James, Mark Twain, Cather, Hawthorne, Sara Orne Jewett, entre os seus compatriotas; e de Flaubert, Dickens, Jane Austen, Proust, Tchecov, E. M. Foster, Maupassant, Katherine Mansfield, Turguniev e Emile Bronte. Cada um desses autores contribuiu para o que ele chamaria anos depois de sua “inteligência literária”.
 
Truman Capote apercebe-se, talvez intuitivamente, que a principal tarefa do artista é domar e dar forma a uma visão criativa em estado bruto. Ora, um escritor não é a secretária que copia o ditado; mas alguém que lavra e dá forma ao rochedo. Foi o que ele fez ao escrever seu segundo romance, ainda assim, insatisfatório, pois ao vê-lo publicado sentiu-se como uma secretária que tivesse se limitado a transcrever uma voz saída das nuvens...
 
Os duros sofrimentos e solitários combates que o artista suporta em seu afã de criar uma obra constituem a essência intima do talento. É a insatisfação e o descontentamento, diz-nos dizer o autor de À Sangue Frio, que transmudados em arte nos proporciona uma obra mais intensa e devoradora e que, perseverantemente trabalhada, resultou na determinação e precisão do seu estilo.
 

AOS LEITORES
Esta é minha última coluna.
Há muito que desejava parar de escrever em jornais. Cheguei mesmo, por duas vezes, a entregar a Cassiano Arruda Câmara minha carta de demissão, porém ele se negou a recebê-las e me pediu que "desse um tempo". Em atenção, admiração e respeito que nutro por ele, em especial por todas as atenções que no curso dos anos tem-me dispensado, como um dos melhores colegas que tive em mais de 40 anos de atividades jornalisticas, aquiesci, apesar do meu fastio pela redação. E, sobretudo, porque acredito que é preciso "sair de cena" quando temos a convicção de ter cumprido a cota.
Todos devem ter percebido, nos últimos tempos, minha crescente dificuldade de escrever e até me surpreendia que ninguém o percebesse ou calasse diante disso.
As despedidas devem ser curtas. Agradeço a todos que me honraram nesses anos todos, lendo-me. E, homenageio a todos na figura desse excepcional homem de imprensa chamado Cassiano Arruda Câmara.

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