domingo, 11 de dezembro de 2016



Homenagem que presto à memória do querido amigo Dom Nivaldo Monte, neste aniversário de dez anos de seu falecimento. O artigo, o fiz "um mês" após sua morte - daí o título; o poema é mais recente.

Abração, Horácio.


 HOMENAGEM A DOM NIVALDO MONTE  -  Artigo e poema

Artigo escrito em dezembro de 2006:

                            UM MÊS
                                               -  Horácio Paiva  -

                   Um mês sem a presença física de D. Nivaldo Monte entre nós e nesta Natal que amou. Um mês deste tempo que inventamos e que aprendemos a repartir e contar. Mas que, sem retorno, não o devolve. Porque o seu tempo  -  como, de resto, o nosso tempo  -  é o da eternidade.
                   Li certa vez que perguntaram a Galileu Galilei quantos anos ele tinha, ao que respondeu: “Cinco, dez ou quinze anos. Talvez mais, ou talvez menos. Talvez alguns dias, ou somente um dia. Sim, porque o tempo passado já não me pertence e apenas posso contar com o futuro. Mas este eu não sei precisar”.
                   Sobre esse tema, o tempo é o que dele nos cabe em vida, diz Marco Aurélio em suas “Meditações” (Livro II, 14):
                   “Ainda que os anos de tua vida sejam três mil ou dez vezes três mil, lembra-te que ninguém perde outra vida, senão a que vive agora, nem vive outra senão a que perde. O prazo mais longo e o mais breve são, portanto, iguais. O presente é de todos: morrer é perder o presente, que é um tempo brevíssimo. Ninguém perde o passado nem o futuro, pois a ninguém podem tirar o que não tem”.
                   A matéria do presente seria, então, o próprio tempo. E administrariam melhor o seu tempo existencial aqueles que tivessem o seu olhar mais amplo, universal, holístico: os visionários.
                   Tenho que, na arte de viver, expressam sabedoria aqueles que sabem distinguir o principal e o secundário, mantendo, assim, donos deste conhecimento, a serenidade e a tranquilidade de espírito, mesmo diante das adversidades  -  comuns a todos  -, e estando, dessa forma, mais próximos também da felicidade.
                   A esse propósito, Dom Nivaldo Monte não foi apenas um sacerdote, mas um sábio, um visionário, alguém que soube aliar o espírito contemplativo à ação.
                   Sêneca, um dos mais expressivos pensadores do estoicismo romano  -  filosofia, aliás, tão presente em nossa religião cristã  -  recomendava alternar o recolhimento e a vida social: “Misturemos as duas coisas: alternemos a solidão e o mundo” (in “Da tranquilidade da alma”  -  XVII, 3).
                   A meu ver, portanto, o perfil existencial de D. Nivaldo continha esses dois aspectos: o contemplativo e o ativo.
                   Nesse último sentido, é inegável a sua profunda contribuição ao desenvolvimento educativo, político e social de nossa gente.
                   Entregue ao pensamento, à literatura e às reflexões, não se pode negar que foi, igualmente, um vigoroso homem de ação. Aliado ao seu grande amigo e também proeminente figura da Igreja, Dom Eugênio de Araújo Sales, é realizador de inúmeros feitos exemplares, essenciais ao progresso e ao crescimento moral e espiritual de nosso povo. Assim, criou a Rádio Rural (Emissora de Educação Rural), utilizando-a como importante e pioneiro instrumento de alfabetização e educação em nosso Estado. Outra ação pioneira de sua lavra foi a instalação da Escola de Serviço Social (hoje integrada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte), primeira entidade de nível superior, na espécie, em Natal.
                  Nos anos difíceis do período ditatorial, quando um grupo de humanistas e democratas (entre estes, Padre Pio, Dermi Azevedo, Elias Cabral Maciel, Rivaldo Fernandes e eu) lutavam contra a opressão, pela democracia e pela criação de um comitê de defesa dos direitos humanos, encampou a ideia e deu-lhe forma com a fundação da Comissão Pontifícia Justiça e Paz, da qual fui presidente, primeira entidade estadual (mas vinculada ao Vaticano  -  daí “Pontifícia”) destinada à defesa dos direitos humanos. Movimento idealista e agregador, a ele somaram-se outros nomes, tornando-o ainda mais forte: Carlos Antônio Varela Barca, Padre Vilela (Pastoral Carcerária), Adílson Gurgel de Castro (primeiro presidente), Marcondes Assis da Silva (Pastoral da Juventude), Marlúcia Paiva, Francisco Gomes, Oswaldo e Roberto Monte e outros.
                   Era meu amigo e em várias ocasiões conversamos muito. Sobretudo sobre filosofia, política, religião e poesia. Havia entre nós um grande elo de simpatia, a identificação espiritual que tanto aproxima as pessoas. Mostrou-me originais seus antes de torná-los livros. Certa vez, falando-me sobre a coragem, definia o corajoso não como aquele despojado do medo, mas aquele que o dominava. Tema e concepção, aliás, que aborda em seu livro “Toda palavra é uma semente”, quando diz: “O problema, o verdadeiro problema não é ter ou não ter medo, mas, quando necessário agir, deixar-se levar pelo temor”.
                   Dediquei-lhe uma tradução que fiz do “Noche Obscura”, do místico e grande poeta espanhol San Juan de la Cruz, para mim expressão das mais altas (senão a mais alta) da poesia em língua castelhana, que trata do encontro da alma com Deus e cuja primeira estrofe (transcrita no original) associo agora à sua própria partida, após concluída sua obra, estando em paz com Deus e com os homens:
“En una noche obscura/ con ansias en amores inflamada,/ oh dichosa ventura!/ salí sin ser notada,/ estando ya mi casa sossegada”.
                   Em memória do amigo, em meio ao mistério e às ilusões do mundo, revela-me a poesia, de observação e confiança cósmicas:
A realidade
é a opção
do provável.
O real
É Deus.
.................................................................................................

Poema escrito recentemente:

TEMPO E ETERNIDADE

                        A D. Nivaldo Monte, in memoriam



Já não tenho tempo.

Compreendo
como Santo Agostinho
que o tempo é uma invenção do homem
para contagem de seus dias.

Mas tenho, Senhor, a Vossa eternidade
onde, perene, caminho.

                               (Horácio Paiva)
 



(TEXTO CORRIGIDO POR SOLICITAÇÃO DE HORÁCIO PAIVA)

CONTUDO, MANTENHO O OUTRO POEMA QUE FOI PUBLICADO EQUIVOCADAMENTE, MAS MERECEDOR DO CONHECIMENTO DOS MEUS LEITORES:

Assunto: Re: POEMA TRADUZIDO - COM CORREÇÃO PENÚLTIMO VERSO
Fiz uma correção na tradução do penúltimo verso desse belo poema do francês e luterano Jean-Paul de Daldesen (1913-1957), que ficou assim:
BACH NO OUTONO
            Jean-Paul de Dadelsen
Anjo da melancolia
Que posso eu contra ti?
Tu me conheces melhor do que eu mesmo
Nesta hora
A mais escura
Antes da aurora
Que posso eu
Cego e disperso
Senão
Pelo meu próprio vazio
Medir ainda
A ausência do Senhor
E longe de meu verão perdido
Como o cão de Ulisses
Escutar a noite
Escutar o vento
Para neles reconhecer
Os passos de Seu retorno
                        (Tradução de Horácio Paiva)

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