UMA PEQUENA VOLTA NO TEMPO
Carlos Roberto de Miranda Gomes, advogado e escritor



De repente, nada mais que de repente, a saúde exige que volte a Recife para uma consulta a um velho médico que de mim cuidou há quase dez anos atrás. A mesma rua, a mesma ilha (do leite), o mesmo prédio e a mesma figura humana do Doutor AMAURY DE SIQUEIRA MEDEIROS. 
Com a mesma clareza e paciência, constatamos que tudo está sob controle e aí comentamos algumas amenidades: "Você conhece um médico chamado Ernani Rosado?" - os sorrisos, meus e do meu filho Carlos que me acompanhava, foram generosos, pois Doutor Ernani é pessoa presente em nosso peito. Então o Doutor Amaury fez uma revelação: o apelido dele era Solich (alusão ao velho treinador de futebol Freitas Solish). Por que? indaguei eu - é que ele era ruim de bola e a gente o colocava como técnico. Boas risadas, felizes risadas, amenidades e alegria.
Diante daquele quadro de alívio, pedi a Roberto, nosso parente pernambucano, para darmos uma volta no lugar onde morei em Recife, acompanhado de Carlinhos, Therezinha e Ernesto: - Boa Vista e ele parou na Rua do Colégio Dom Bosco, onde tantas vezes fui assistir as peladas domingueiras de Serginho, Tavico(Gustavo Guedes, de saudosa memória) e Zé poupinha (José Wilson) e assistir missa; ou o contrário, primeiro a missa e depois a pelada.
Procurei na Ilha do Leite o escritório do advogado, que foi no passado o Tenente Carvalho, da CCS onde servi no 16º RI em 1959, mas o escritório já não continha o seu nome - não sei se está vivo, Deus queira que esteja. 
Logo vizinho a velha casa da rua Barão de São Borja, que se encontra do mesmo jeito que deixei há mais de 50 anos. Pedi licença, contei a história e me permitiram fotografá-la, ao mesmo tempo em que a saudade me bateu pesado. Ali descortinei a rapaziada da "República", alguns do Rio Grande do Norte, Madame "Lou", as escadarias, a pequena torre, o velho corrimão. Dalí a sorveteria onde matávamos a nossa fome pela escassez das refeições. No seu portão esperava o carteiro trazendo notícias da minha namorada Therezinha.
Recordei do meu quarto, no primeiro andar, cuja janela ficava para a área de serviço-cozinha e a velha cozinheira gritava: "Seu carlinhos, desce a sacola", o que eu fazia através de uma cordinha e ela colocava alguma coisa que sobrara da janta.
Fui ver a rua Visconde de Goiana onde moravam José Augusto Costa Neto (netinho, médico, já falecido) e José Navarro (médico, tambémn falecido). Fazíamos serenata no Pina e em Boa Viagem, quando eram poucos habitadas. Enfim, ali também ficava um boteco onde tomei um dos maiores porres da minha vida, aproveitando um dinheiro que mandaram para mim de Natal - não lembro de quem trouxe - Moacyr, meu irmão ou foi Dora Furtado; não sei como acertei o caminho da volta, apesar de ser a poucos metros da minha república. Foi uma gozação porque enquanto era socorrido com café, canja preparada pela referida velha cozinheira, eu dizia que ia fazer um filme e ela seria uma das artistas.
Recife cidade lendária! Depois fui para Olinda, cidade eterna, monumento secular da velha geração.
Passei pelo centro, ví o velho São Luiz, sentei na ponte Duarte Coelho, no lugarzinho onde a turma do RN batia papo e fazia proselitismo político, lia os jornais sobre a briga política da campanha de 60 em Natal, onde fazíamos gozação com "Lolita": "Quem vem a Recife e não conhece Lolita, não conhece Recife", revi na memória os palanques do Marechal Lott, do líder comunista Carlos Prestes e o homem da vassoura. 
Passei na fortaleza das cinco pontas, lugar onde alguns depoimentos da Comissão da Verdade da UFRN que presido, afirmaram ter sido lugar de prisão e tortura.
Dessa viagem, retorno por João Pessoa e ali passei algumas horas, do que posso resumir, de tudo o que vivi e revivi - não existir lugar melhor do que NATAL, cidade que não sufoca, como Recife e seus edifícios desnecessariamente muito altos, nem desordenada em seu traçado topográfico, tudo em contraste com os tradicionais casarões. Mas fiquemos alertas, pois a especulação já começou a alterar a sua paisagem, haja vista a visão horrenda daquela bola descomunal, agressiva da paisagem - que será a Arena das Dunas.
Um último comentário - a alegria de ver o destaque dado pela imprensa pernambucana sobre a participação de Débora Seabra, a nossa professorinha pioneira na superação da síndrome de Dawn. Fiquei orgulhoso, por ela e pelos seus pais Margarida e Robério.
Estou de volta pro meu aconchego!