terça-feira, 27 de junho de 2017

ENTREVISTA IMAGINADA


Carlos Drummond de Andrade, o mundo é grande

26/06/2017



texto Gustavo Sobral e ilustração Arthur Seabra

Mineiro. De Itabira. Funcionário público e poeta. Simplicidade, um pouco de melancolia e beleza como uma praça de uma cidadezinha pequena num fim de tarde. Um tanto bucólica, mas grande. Sentimento do mundo a partir do cotidiano. Eis a poesia drummoniana.

O poeta, um homem de testa larga, alta e óculos de aro, cuja falta dos óculos um dia tenha feito tropeçar, por causa das retinas fatigadas, numa pedra no meio do caminho. É que no meio do caminho tinha uma pedra. Uma pedra que é o verso no caminho da poesia.

Décima terceira entrevista da série entrevistas imaginadas, quando se falará de e com poetas e escritores, pelo que já disseram em seus versos e prosa, por isso, imaginadas, mas nunca imaginárias, porque o fundo da verdade é o que já disse e está estampado no que já disseram. O entrevistado da vez, como se disse, é poeta, Carlos Drummond de Andrade. Entrevistamos o poeta no volume Sentimento do Mundo, lançado em 1940, no meio do caminho de sua poesia.

Entrevistador: O que tem nas mãos, poeta?
Drummond: O sentimento do mundo.

E: E Itabira, o que representa?
D: Itabira é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói!

E: Que sonhavam os conselheiros angustiados?
D: a futura libertação dos instintos e ninhos de amor a serem instalados nos arranha-céus de Copacabana, com rádio e telefone automático.

E: Como desce a nós o cavaquinho (bem afinado!) do morro da Babilônia?
D: desce até nós, modesto e recreativo, como uma gentileza do morro.

E: O que não roeu do velho álbum de fotografia o verme?
D: Só não roeu o imortal soluço de uma vida que rebentava daquelas páginas.

E: O que é que cabe só na rua Larga dos Poetas e em mais nenhuma outra?
D: Só nesta cabem a poeira, o amor e a Light.

E: E o mundo?
D: o mundo é mesmo de cimento armado.

E: E o que faz com os amigos num terraço mediocremente confortável?
D: bebemos cerveja e olhamos o mar.

E: E os inocentes do Leblon?
D: tudo ignoram, mas a areia é quente, e há um óleo suave que eles passam nas costas, e esquecem.

E: Chegou um tempo...
D: em que não adianta morrer, em que a vida é uma desordem. A vida apenas, sem mistificação.

E: Uma revelação?
D: Quando vou para Minas, gosto de ficar de pé, contra a vidraça do carro, vendo o subúrbio passar.

E: Poeta do passado ou poeta do futuro?
D: Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro.

E: E seu coração é do tamanho do mundo?
D: não, meu coração não é maior que o mundo. É muito menor.

E: Um coração para as dores do mundo?
D: nele não cabem nem as minhas dores.

E: então é por isso que...
D: gosto tanto de me contar. Por isso me dispo, por isso me grito.

E: Por que tanto?
D: Preciso de todos.

E: para terminar, poeta, fale do mundo e da rua?

D: a rua é menor que o mundo. O mundo é grande.

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