sexta-feira, 13 de outubro de 2017


A SOMA DE TODOS OS ERROS

Valério Mesquita*

As minhas sensações se revezam depressa. Por mais que me esforce, não consigo me fixar em coisa alguma. Se penso ou sinto algum tema, deduzo que tudo será esquecido e me calculo inútil. Esse prelúdio indefectível talvez chegue a algum lugar. Gostaria de denunciar, por exemplo, aquilo que muitos já fizeram: a deterioração institucional do país que teve quebrados todos os padrões éticos e estéticos. A fragilidade e a inoperância dos poderes se tornaram tão patentes que já se comentam medidas autoritárias. Continuo pensando que é preciso urgentemente humanizar o político brasileiro. Ele mesmo animalizou os seus traços.
Quando me apetece voltar a suplicar às autoridades públicas e privadas a restauração do empório dos Guarapes, onde o pioneiro e gigante desbravador Fabrício Gomes Pedroza ambientou um dos mais avassaladores domínios comerciais de que se tem notícia no estado, recebe-se em troca repetidamente a leniência e a indiferença. Ai eu indago: pra que escrever mais? Pergunto-me se não estou me transformando em esteta contemplativo com uma tendência zen. Mas, continuarei lutando porque não é apenas um impulso da mente nem do corpo. Os “Guarapes” representam para aqueles que o ignoram, o equilíbrio entre a beleza e o passado.
Falar, por exemplo, das poças profundas de sangue que fluidificam a área metropolitana da grande Natal. Nela a juventude continua sendo executada nas ruas pelo cartel das drogas. Sinto que falecem os dons que me ligam a Macaíba, hoje, tão irreconhecível a ponto de não me rever mais em suas paredes e praças. A fuga é dormir à distância, debaixo de qualquer céu, como diria o poeta. Minha terra padece de uma enfermidade física, orgânica, urbana, suburbana, sensível, visível, palpável chamada “comércio de droga” que tem escravizado e mutilado suas melhores tradições.
Poderia até discorrer sobre as opiniões e posturas dos políticos potiguares de hoje frente ao processo sucessório estadual de 2018, repleto de incertezas, decepções, melancolia, traição e maldição, que conduzem os personagens e eleitores a becos sem saída. Os efeitos especiais empregados são improvisados. E parece que não há pressa em definir situações. Tudo deve ser queimado subrepticiamente a fogo lento. Tem gente gastando anos luz para compor o arquipélago da obra de chegar ao poder queimando incenso no velório da própria aliança. Na política, sabemos que acidentes e incidentes nunca surpreenderam ninguém. Todos têm rostos e máscaras. Trata-se de uma peça de teatro onde o fascínio é exibido em prosa e gestos fesceninos. Que importa tudo isso, se depois da tempestade todos se unirão novamente para começar tudo de novo? O palco será o mesmo. Só muda a idade.
E o pugilo da saúde pública nos hospitais da capital? Esse merece veemente repulsa. É um libelo à competência dos administradores. A situação deplorável me infunde a convicção de que ninguém mais se comove com a dor humana. O melhor homem é o homem morto. Vivo é desprezível. Doente e pobre, ele fede. Onde deveriam remunerar melhor, paga-se pior e se gasta menos. Hospital público é a antessala da morte iminente porque está desprovido das mínimas condições de higiene e serviços. Denunciar o estado de calamidade não constitui o meu propósito. Mas, apenas, lembrar ao leitor que o ser humano coisificou-se. Deixou de ser carne inteligente. Hospital ¯ lugar de repouso e cura ¯ virou empório do estado, verdadeiro guardador de rebanho, onde o pobre, sem nenhum plano de saúde, tem defeito de circulação do sangue no corpo à alma. Abaixo os privilégios institucionais hoje praticados como intestinais! Tenho dito.


(*) Escritor.

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